sábado, 21 de abril de 2012

“NINGUÉM NASCE MULHER, TORNA-SE MULHER”


Texto apresentado na aula do dia 17/04/12
Por Eugésio Maciel e Yuri Vinicius Assen da Silva



              Pensando biologicamente, existe apenas um cromossomo dentre os quarenta e seis que difere as mulheres dos homens.  Há aqueles que concordam que homens e mulheres são diferentes de seus corpos, de sua constituição psicológica e do papel que ocupam na sociedade. No entanto a Antropologia vem desconstruindo muitas de nossas idéias sobre os sexos.
            O cromossomo é formado por vários genes, dessa forma o que separa homens de mulheres é a forma que estes genes estão arranjados. Assim para a Biologia essa combinação permite os corpos diferenciados, e além da caracterização genética e anatômica, há também uma diferença hormonal.
            Se a Biologia estabelece uma diferença física, a interpretação do senso comum se apoia em uma diferença de comportamento e de papéis, ou seja, mulheres que transitam entre a sensualidade e a maternidade. Já os homens desempenham o papel de fecundar e prover o sustento para a mulher e para seus descendentes.
            É realidade hoje que as funções para os dois sexos mudaram, boa parte das mulheres integra o mercado de trabalho, e muitos dos homens realizam funções domésticas e participam da criação dos filhos. Há ainda certo estranhamento, por exemplo, com mulheres que abrem mão da maternidade e da mesma forma um homem sustentado por sua companheira.
            A Antropologia através de estudos das sociedades ( ditas sociedades primitivas) sugere uma nova interpretação ao negar a idéia de que homens e mulheres são diferentes em relação à ciência e o senso comum.
            Pierre Clastres (antropólogo francês) escreveu o livro A Sociedade contra o Estado, o capítulo “O Arco e o Cesto” desta obra apresenta a cultura dos Guaiaquis. Nesta sociedade as tarefas eram divididas entre homens e mulheres, assim como a nossa. O diferente nessa sociedade é a prática da poliandria (união da mulher com mais de um marido). As mulheres mesmo casadas podiam ter relacionamentos com moços solteiros e transformá-los em maridos. Os primeiros maridos não tinham escolhas, se abandonassem suas esposas seriam condenados a permanecerem só, pois a tribo carecia de mulheres disponíveis, havia quase o dobro de homens em relação às mulheres.
            De qualquer maneira, o modelo matrimonial nessa tribo mostra que dentre as infinitas possibilidades de culturas, os Guaiaquis são uma mostra de o arranjo tecido pela nossa própria sociedade ao que diz respeito às relações entre homens e mulheres está longe de ser o único possível.
            Margaret Mead (antropóloga) em seu livro Sexo e Temperamento questiona os papéis sexuais ao apresentar três sociedade na Nova Guiné. A autora utilizou como base os padrões norte-americanos, ou seja, o comportamento feminino caracterizado por ser maternal, cooperativo, não agressivo, já o comportamento masculino seria contrário a essa caracterização. As três tribos estudadas pela a autora apresentam padrões de comportamento entre homens e mulheres diferentes. Na tribo Arapesh, os homens e as mulheres revelavam uma personalidade que seria considerada feminina na sociedade norte-americana. Já na tribo Mundugumor, os integrantes eram homens e mulheres agressivos e positivamente sexuados, apresentando o mínimo de aspectos carinhosos e maternais em sua personalidade, apresentando uma conduta que só seria encontrado em um homem norte-americano violento e indisciplinado. A terceira tribo, Tchambulli, caracteriza-se por uma diferenciação entre os sexos e uma clara inversão das expectativas de temperamento da sociedade norte-americana, ou seja, a mulher é “o parceiro dirigente, dominador e impessoal, e o homem a pessoa menos responsável e emocionalmente dependente”.[1]
            Autora mostra dessa forma que é possível encontrar invertidos os comportamentos e que as culturas não reconheçam uma diferença de temperamento entre homens e mulheres, ou seja, não nos resta considerar tais aspectos de comportamentos ligados ao sexo, uma vez que a natureza humana é maleável, respondendo a condições culturais constantes.
            O trabalho de Marcel Mauss, As técnicas do corpo, enfatiza-se a idéia da qual a cultura treina o corpo em seus mínimos detalhes, desde movimentos, posturas e trejeitos corporais. O seja, um comportamento que independe da natureza biológica, mas um treino corporal a partir de uma orientação da cultura vigente. Dentre as técnicas do corpo estariam atos simples como sentar, dormir, falar, ficar de pé, agachar-se, nadar, respirar, etc.
            Esse argumento é interessante no que se refere às diferenças entre homens e mulheres, pois muitas das características corporais que distinguem os sexos seriam constituídas a partir de um treino social do corpo. A delicadeza feminina, a postura imponente dos homens, o jeito discreto de sentar das mulheres, o largar-se confortavelmente no sofá, tipicamente dos homens, ou então a maneira sensual feminina de andar movimentando os quadris são todos exemplos das chamadas técnicas do corpo proposta por Mauss.
            A Antropologia através de Clastres, Mead e Mauss, aponta a idéia de que os papéis destinados a homens e mulheres não são explicados por uma diferença inscrita na natureza de seus corpos, ainda que seja biologicamente diferentes, a anatomia não explicariam as inúmeras outras diferenciações sociais entre os sexos, sejam elas de hierarquia, de status, de poder, de posição na divisão do trabalho, de personalidade, de comportamento e nem mesmo de seus trejeitos corporais.
            Essa interpretação não nega a diferença anatômica, mas afirma que a Biologia nada explica o que diz respeito à vida social. Tal argumento é embasado na idéia de a natureza dos corpos é interpretada pela cultura que, por sua vez, origina inúmeros significados que ultrapassa as diferenças corporais.
            O movimento feminista utilizou dos estudos antropológicos para então questionar fatos vistos como biológicos, como a situação de inferioridade da mulher a por sua vez a sujeição feminina ao poder simbólico masculino. Isso permitiu a discussão na esfera do movimento social, ou seja, os papéis previamente demarcados exercidos por homens e mulheres dentro da sociedade.
            “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino”.[2]
Mas o que é tornar-se mulher? Os seres humanos nascem machos ou fêmeas, e a partir de sua educação, tornam-se homens ou mulheres. Tornar-se homem ou mulher não é uma transição natural, construída por hormônios, é uma questão social. Garotos e garotas ao nascerem têm uma educação diferenciada, são criados para desempenharem um determinado papel social. Exemplificando a situação, os meninos são ensinados a gostarem de carros, de filmes de ação e de atores com estereótipo masculino bem acentuado. Chorar?  Não são emoções características dos homens. Enquanto as meninas que ganham utensílios para a cozinha de brinquedo, bonecas para fingirem serem mães, sonham em serem as princesas dos filmes da Disney, ou seja, são ensinadas a serem frágeis e delicadas com o ensinamento de um espírito materno precoce a ponto de subjugar as várias manifestações de personalidade de cada um(a).
Dessa forma, depois de todo esse processo de aprendizagem na infância, é de se esperar que realmente as mulheres tenham “jeito” para serem mães, donas do lar, e assim condicionar a sua felicidade à de um homem (príncipe). Portanto, o gênero é a construção social do masculino e do feminino, isto é, o papel atribuído a homens e mulheres é construído, é social, cultural, passível de mudança, o macho humano pode assumir o gênero feminino e a fêmea humana pode assumir o gênero masculino, além da possibilidade de assumir algum outro que não seja o masculino/feminino, é simplesmente opcional, uma escolha.



[1]  MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. 3ª ed. São Paulo, Perspectiva, 1988, p.267-268.
[2] BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, [1949] 1980, p.9.

LEI MARIA DA PENHA E OS CASOS EXCEPCIONAIS


Texto apresentado na aula do dia 10/04/12
Por Yuri Rodrigues de Alencar e    Renato Garcia Sanches de Souza


              A violência domestica é um tema discutido com fervor pela sociedade brasileira e pela cúpula jurídica do país durante os últimos anos, principalmente devido ao advento da lei 11340/06 (Lei Maria da Penha) e seus efeitos materiais e processuais no ordenamento brasileiro. Nessa seara de inúmeras controvérsias de aplicação da lei e do seu alcance de aplicação nas relações familiares, surge a dúvida se será aplicado os dispositivos dessa norma caso seja relatado a agressão entre mulheres nas relações familiares, ou mesmo quando o alvo das agressões sejam transexuais ou travestis e se é possível aplicar a lei em tais casos sem estar desrespeitando princípios penais e constitucionais.

            O art. 1 da lei Maria da Penha que busca coibir e prevenir a violência domestica e familiar contra a mulher e seu artigo 5º do mesmo dispositivo enunciam que as relações pessoais serão punidas caso haja agressões independente de orientação sexual da mulher e que resulte de qualquer ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial. Dessa maneira esse será o principal ponto do nosso questionamento que gira na esfera de não diferenciação sexual da mulher e suas várias manifestações. A dúvida seria se tal lei dá espaço para que seja aplicada também em relações lesbianas, e se ela também dá espaço para a aplicabilidade perante agressões contra transexuais, como em decisões aplicadas em alguns tribunais do nosso país como da Transexual que sofreu maus tratos por parte do parceiro e que conseguiu o direito à aplicação da Lei Maria da Penha na decisão da juíza Ana Claudia Magalhães, da 1ª Vara Criminal de Anápolis, que manteve o acusado na prisão e o proibiu, quando em liberdade, de estar a menos de mil metros da ofendida e de seus familiares.

            Deve-se remeter a literatura da medicina e as resoluções dos conselhos federais e regionais a fim de chegarmos a alguma conclusão sobre a inclusão ou não e quais serão os critérios que deverão ser utilizados pelo judiciário na analise dos fatos e questões que chegam e chegarão aos juízes caso cheguem demandas similares na esfera jurídica. O estudo histórico do porquê da criação da lei nos ajuda a entender qual será sua esfera de atuação, ou seja, devemos entender a utilidade da criação desse dispositivo para não criar crimes e praticas processuais que desvirtuam o sentido original da lei.

2          Gênero usado como forma de expandir a lei

            Quando falamos em opção sexual, geralmente a sociedade associa ao sexo de nascimento e das expectativas sociais esperadas para as pessoas que nascem com determinado órgão genital. Entretanto, a fim da ampliação da discussão e dos efeitos no ordenamento jurídico, deve-se rebater tal pensamento e procurar explicar por que transexuais, travestis e outras pessoas que sintam socialmente como uma pessoa pertencente ao sexo feminino devem ser abarcadas pela lei Maria da Penha.

            O conceito de gênero é derivado de uma construção do campo legal, antropológico e social o qual relaciona a condição da pessoa, como um ser humano, inserida na sociedade e que experimenta e vivencia inúmeras situações as quais fazem optar por um grupo ou forma de manifestação sexual a despeito do sexo de nascimento. Embora algumas pessoas tenham nascido com determinado sexo, não se sentem socialmente e psicologicamente tranquilas quanto a sua condição sexual biológica. Dessa forma, há homens que estão totalmente inseridos no universo feminino, apesar de terem nascido com órgãos sexuais masculinos.

            Na hora da decisão, os juízes se deparam com casos nos quais, ainda que a vítima tenha determinado sexo, tal fato deve ser ignorado pelo fato de tal pessoa pertence a um gênero diferente. Os vários estudos tentam diferenciar as inúmeras manifestações da sexualidade; dessa maneira, a transexual se distingue e se diferencia dos homossexuais e das travestis. A travesti usa roupas femininas e o faz devido à satisfação emocional que esse agir lhe traz, diferente do homossexual que se veste como homem. Já a transexual veste roupas femininas porque é uma mulher e quer ser desejada e socialmente aceita como tal. Em decisão recente aplicando a lei somente para transexuais, a juíza Ana Claudia Magalhães, da 1ª Vara Criminal de Anápolis, salientou que seria possível o uso dos dispositivos levando-se em consideração a condição de mulher da vítima perante a sociedade, a despeito do sexo do seu nascimento, e frisou que o termo "mulher" pode se referir tanto ao sexo feminino, quanto ao gênero feminino, o sexo é determinado quando uma pessoa nasce, mas o gênero é definido ao longo da vida. Logo, não teria sentido sancionar uma lei que tivesse como objetivo a proteção apenas de um determinado sexo biológico. De gênero entende-se que se refere às características sociais, culturais e políticas impostas a homens e mulheres e não às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Desse modo, a violência de gênero não ocorre apenas de homem contra mulher, mas pode ser perpetrada também de homem contra homem ou de mulher contra mulher.

            A interessante decisão da magistrada gerou inúmeras discussões no mundo jurídico quanto ao alcance de tal decisão e sua própria constitucionalidade. Tal mecanismo foi criado para coibir a violência domestica do homem (machista), biologicamente concebido, contra a mulher na relação clássica de homem e mulher, ou seja, a relação historicamente esperada e aceita pela maioria da população. Aqui devemos ter a preocupação em não nos atermos ao passado e sempre aproveitarmos as novas situações socialmente aceitas na atualidade, a fim de ampliar os mecanismos de proteção às pessoas e não restringir a um grupo biologicamente concebido. É de conhecimento geral que a lei foi impulsionada pela história da biofarmacêutica Maria da Penha, que ficou paraplégica devido às agressões de seu marido e lutou por vários anos para que esse fosse punido. Porém, no âmbito constitucional, baseado no ponto de vista de gênero, não se podem criar leis diferenciando mulheres nascidas com órgãos sexuais femininos de mulheres que tornam-se do sexo feminino durante sua vida, ou seja, haveria uma explícita desobediência ao princípio da igualdade nesse dispositivo. Quanto ao gênero, a mulher não nasce mulher torna-se mulher na interação social e histórica, assim o conceito de gênero se refere apenas às pessoas e às relações entre os seres humanos.


            Assim, segundo essa visão, poderíamos concluir que, na esfera da lei, será possível caracterizar tanto os transexuais quanto outros homossexuais, caso seja aplicado a lei Maria da Penha para pessoas nascidas com o sexo masculino e que sintam-se pertencentes ao gênero feminino ao longo de sua vida .

3          Contexto histórico e intencionalidade da lei

            Porém, diferentemente da última perspectiva, também há uma preocupação com a possibilidade de desvirtuar o sentido inicial inspirador da criação da lei Maria da Penha. Tal motivo remete à tradição machista de que homem, ao espancar ou estuprar sua mulher ou namorada, estaria no seu pleno direito concedido pela relação instituída social e juridicamente: a lei foi criada justamente para combater essa perspectiva.
            A dúvida da aplicabilidade dessa lei em casos excepcionais seria, então, se o sentido da mesma estaria sendo perdido, visto que lesão corporal e estupro ainda são práticas consideradas criminosas pelo ordenamento – as penas para esses crimes só não têm o rigor adotado no enquadramento perante à Lei 11340/06 pelo motivo de esta última funcionar como uma ação negativa à prática social machista.

4          Aplicabilidade no caso concreto

            No final das contas, não há um único ponto de partida correto para a aplicação da lei Maria da Penha em casos excepcionais: ambos apresentados têm pontos muito relevantes que não podem ser deixados de lado na aplicação; caso contrário, poderá se chegar a uma decisão injusta ou incoerente.
            A conclusão chegada é de que apenas o caso concreto pode dar a resposta sobre a aplicabilidade da lei. É preciso uma avaliação minuciosa de todos os fatos pelo juiz, a fim de se chegar a uma decisão justa e coerente, capaz de manter íntegra a dignidade da pessoa humana ao mesmo tempo em que garante a segurança e a coesão do Ordenamento.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Texto apresentado na aula do dia 10/04/12
Por Priscilla Santos Arruda e Marcelo Lopes da Silva Júnior
                  

A ex-empregada doméstica, Maria Aparecida Matos, foi presa aos 23 anos de idade por furtar um xampu e um condicionador de uma farmácia. Dentro da cadeia foi espancada e perdeu a visão de um olho, sendo absolvida mais de um ano após sua prisão. Em contrapartida, um homem que cometeu o crime de sonegação de impostos no valor de R$ 3.600 foi absolvido. Estes dois casos têm em comum a invocação, pela defesa, do princípio da insignificância.
Este está firmado em nossa jurisprudência, principalmente no que diz respeito aos tribunais superiores, e é bem aceito pela doutrina; entretanto, é um princípio implícito, que não se encontra expresso na lei, o que dificulta sua aplicação e faz com que cresça ainda mais o volume de recursos que vão para o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça todos os anos.
Tal princípio baseia-se na idéia de que há determinadas condutas que atingem tão infimamente o bem jurídico tutelado que não se fundamenta a sanção, ou seja, não se pode tipificar como crime. Neste preceito, podem ser encontrados determinados parâmetros para que as condutas possam ser consideradas insignificantes, como: a diminuta reprovabilidade do comportamento, a mínima lesividade do ato, a falta de periculosidade social da conduta e a inexpressividade do dano provocado.
Doutrinadores modernos defendem que não se deve olhar apenas se uma determinada conduta ilícita está formalmente descrita na lei, isto é, se está tipificada na lei penal, mas também se deve analisar se tal conduta foi, efetivamente, nociva a bens jurídicos, tanto moralmente quanto patrimonialmente. Segundo o ministro Gilmar Mendes, “quando as condições que circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade”, não é sensato que se incite o Direito Penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz.
Há muito o sistema penal encontra-se evidentemente atrofiado por conta de sua indevida utilização. Este sistema deveria tratar apenas das lesões de bens jurídicos realmente substanciais. A otimização do direito penal requer uma revisão dos casos que realmente mereçam a imposição de pena e dos casos que devem ser desconsiderados como suficientemente substanciais para implicarem sanções penais.
Somente a lesão a um bem ou valor socialmente relevante deveria justificar a incriminação de uma conduta.  Consequentemente, torna-se imprescindível a exclusão da competência penal sobre os crimes de bagatela.
Neste contexto, o principio da insignificância se mostra como instrumento fundamental para que haja um resgate da legitimidade do sistema penal.
É evidente o amadurecimento do princípio da insignificância na jurisprudência brasileira. Este princípio tem se mostrado importante instrumento de aprimoramento do direito penal, ganhando espaço nas decisões dos tribunais superiores.
Mais de cento e vinte habeas corpus foram julgados pelo STF em 2010, onde o princípio da insignificância estava sendo usado nas argumentações; tendo este órgão atendido 15 desses pedidos. Tal princípio ganhou notoriedade perante os tribunais recursais, porém, existe ainda uma resistência das instâncias inferiores em aplicar essa mesma jurisprudência.
A resistência dos magistrados em aderir o posicionamento do STF contribui para falta de celeridade processual e a sobrecarga desnecessária de recursos.
Além disso, em detrimento de tal inflexibilidade interpretativa dos tribunais de primeira instância, os acusados acabam cumprindo, ainda que anteriormente ao julgamento final, uma pena que nem mesmo lhes cabia. Percebe-se com isso um problema absurdo que se faz completamente contraditório com os princípios fundamentais e direitos individuais estabelecidos pela constituição de 1988, além de fugir completamente ao objetivo do direito penal.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância deve ser criteriosa e feita caso a caso. Pode-se afirmar também que a reincidência deve inviabilizar a aplicação deste princípio.
Tais critérios foram observados no Projeto de Lei 312/2010 iniciado no Senado Federal pelo senador Antônio Carlos Valadares. Projeto este que visa alterar o Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para estabelecer o princípio da insignificância  como excludente de tipicidade da conduta incapaz de ofender bem jurídico tutelado pela lei penal.
De acordo com tal projeto, o princípio seria estabelecido de forma expressa a acrescentar ao código penal os seguintes artigos:
Art. 22-A Salvo os casos de reincidência, ameaça ou coação, não há crime quando o agente pratica fato cuja lesividade é insignificante. (NR)
Art. 23-A É atípica a conduta incapaz de ofender bem jurídico tutelado pela lei penal. (NR)

Uma análise social se faz imprescindível sobre a temática aqui abordada, haja vista o fato de a maioria dos crimes de bagatela ser cometida por pessoas pobres.
Fato este que intensifica a sensação de que apenas os pobres vão para a prisão, na medida em que se observa a rapidez com que muitos outros delitos graves são convertidos em penas alternativas, ou mesmo como alguns recursos chegam rapidamente aos tribunais superiores.
Curiosamente, não se pode afirmar que o princípio da insignificância somente seja reconhecido mediante o esforço de excelentes advogados disponíveis unicamente para os ricos, pois, foi constatado que a grande maioria das defesas que utilizam tal princípio são feitas por intermédio da defensoria pública que tem obtido maior êxito em suas defesas quando comparadas às que são ministradas por advogados particulares.
Por fim, cabe notar a existência de uma conturbada fixação do valor da insignificância. O não reconhecimento do princípio em casos que envolveram pequenos valores contrasta-se com o reconhecimento em casos que envolvem quantias muito mais significativas, como exemplo, os crimes fiscais onde a insignificância da lesão pode chegar até 10 mil reais.
Casos contraditórios como este evidenciam a dificuldade de se constatar o que venha a ser, ou não, delito de bagatela. A tarefa de definir de forma menos paradoxal os casos sobre o princípio da insignificância deve ficar por conta da capacidade intelectual e jurídica dos magistrados. A dificuldade interpretativa se faz a partir da suposição de que a lesão ao bem juridicamente protegido pelo direito penal deva ser suficientemente substancial para que o caso mereça entrar na seara penal. E tal constatação deve ser analisada caso a caso, afinal, uma lesão pode ou não ser significativa dependendo da condição financeira e social da vítima.
O STF, por exemplo, negou um pedido de Habeas Corpus que beneficiaria dois condenados pelo furto de uma bicicleta no valor de 100 reais porque a vítima do furto era pobre, o que para os ministros, tornava o valor do bem significativo.

                                                                        

DIREITO DE IR E VIR DOS DEFICIENTES FÍSICOS: Até que ponto a Legislação é cumprida?


Texto apresentado na aula do dia 27/03/12
Por Fernanda Potiguara Carvalho e Thalyssa Pereira Ribeiro do Amaral


23, 91% da população brasileira é deficiente física, totalizando aproximadamente 45,6 milhões de pessoas. São os dados do Instituto Brasileiro de Estatísticas e Geografia (IBGE) de 2010 que revelam uma realidade bem diferente daquela que paira o senso comum, de que essas pessoas são parcela ínfima. Entenda-se pessoa com deficiência física como aquelas que apresentam, em caráter temporário ou permanente, significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrente de fatores inatos ou adquiridos, que dificultam o pleno gozo da capacidade de satisfazer, por si mesmo, de forma total ou parcial, suas necessidades vitais e sociais, requerendo, por isso, recursos especializados para desenvolver seu potencial e superar ou minimizar suas dificuldades.
No meio de um tão grande contingente de pessoas com deficiência, o Estado ainda se apresenta tímido em promover medidas para facilitar a integração delas e proporcionar o devido auxílio. Apesar de uma pequena atuação prática, o rol de normas positivadas é amplo: os portadores de deficiência são amparados de forma especial por direitos presentes na Constituição de 1988, na Lei 7.853/89, no Decreto 3.298/99, no Decreto 7.611/11 e em outras normas visando se conformar com a Convenção da ONU que proclamou a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (Resolução ONU 2.542/75), que foi ratificada pelo Brasil com força de emenda constitucional.
  O Decreto 3.298/99 em seu Art. 2º diz:

Cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.


Há, portanto, na lei, uma especial preocupação com a socialização das pessoas com deficiência, ou seja, com a viabilização da sua interação na vida social. Mas isso só é possível quando se promove os direitos de desfrute à cidade, já que a cidade é o lócus de luta social. Nela os agentes lutam pelo seu espaço e na conquista desse espaço é que seus direitos são garantidos na prática.
O direito de “ir e vir” é fundamental para garantir esse acesso à cidade, e, portanto, à vida política, social e cultural; ou seja, aos direitos de fato desses cidadãos. Acontece que, justamente nesse ponto, a sociedade como um todo tem falhado.
Locais públicos, inaugurados constantemente, seja restaurantes, lojas, hotelaria, prédios públicos e privados de uso coletivo, em geral, têm pouca preocupação prática com a acessibilidade.  Muitas barreiras arquitetônicas dificultam o acesso aos serviços.  São escadas, degraus, falta de corrimãos, banheiros não adaptados, salas de espera e transporte público inadequados, buracos nas vias públicas que impedem o exercício do direito de deslocar-se livremente e com segurança.
Por vezes, essas adaptações estão contidas nos projetos arquitetônicos, ou até estiveram presente de fato, mas a sua manutenção não é feita o que acaba por fim descumprindo sua função inicial. E não é raro que, mesmo presentes e em bom estado esses recursos não sejam viabilizados às pessoas com deficiência porque a população não toma nota de sua importância. Cabe o exemplo clássico da vaga especial para automóveis destinada a esse grupo da população, que quase sempre é utilizada como vaga comum.
O ideal é que a sociedade fosse preparada para auxiliar as pessoas com deficiência e pessoas com mobilidade reduzida como os idosos; mas essa empatia quase sempre não existe. A prefeitura de Curitiba, no entanto, tem se atentado a importância de medidas conscientizadoras, com uma iniciativa bastante interessante: um curso oferecido aos pedreiros que fazem as calçadas. Eles recebem palestras em sala de aula e posteriormente vão para as ruas ver e sentir a realidade das pessoas com deficiência.
Os participantes do curso cruzaram as calçadas e pavimentos construídos por eles mesmos, dando um passeio de cadeiras de rodas e, depois, com olhos vendados; sentindo assim o quanto as irregularidades do piso atrapalham a vida das pessoas com deficiência.
Iniciativas como essa são de fundamental importância para que se compreenda o quanto pequenas mudanças podem facilitar estrondosamente a vida dessas pessoas, mas, infelizmente, via de regra, têm sido medidas pontuais. Como não se pode por enquanto contar plenamente com essa empatia da maioria; resta recorrer à viabilização dos direitos constitucionais dos deficientes por meio do que Dworkin chama de aplicação de direitos no sentido forte, garantido-os mesmo que contra majoritariamente. Não faz sentido que uma parcela da população imponha sua vontade e liberdade de tal forma a suprimir os direitos de outra parte dessa comunidade. Os direitos dessa “minoria” devem ser garantidos, ainda que afetem diretamente os direitos da “maioria”.
Desta forma, uma vez que os direitos dessas pessoas estão reservados constitucionalmente como direitos fundamentais eles são a garantia de participação social, eles representam a promessa da “maioria” à “minoria” de que sua dignidade e igualdade serão respeitadas.
Portanto, as ferramentas existem para garantir o cumprimento desses direitos. Resta compreender por que, afinal de contas, mais de 20% da população tem sido negligenciada.

PREVIDÊNCIA SOCIAL E DIFERENÇA DE GÊNERO


Texto apresentado na aula do dia 20/03/12
Por Celso Santos


1.        INTRODUÇÃO
No Brasil há uma confusão crônica entre Previdência e Assistência Social.
Quando de trata de qualquer ato que envolve previdência, presume-se que tenha havido uma pré-vidência, ou seja, que algo tenha sido visto antes.
No caso de assistência, seja de qualquer tipo, ocorre uma ação afirmativa, compensatória, que promova um efeito igualitário, de equiparação no sentido de corrigir alguma situação de hiposuficiência entre as partes envolvidas.
Quando se trata de Previdência Social, presume-se que o processo de aposentadoria por meio do INSS implique em regras de habilitação que envolvam idade mínima de aposentadoria, valor e tempo de aposentadoria.
Em termos de Assistência Social, as ações de dão em caráter assistencialista por hiposuficiência, total ou parcial, e podem ser afirmativas, seja por transferência de renda (bolsa família), distribuição de água e alimentos em zonas de calamidade, seja por aposentadorias concedidas sem contribuição prévia, como as concedidas a trabalhadores rurais e indígenas que se aposentam por atingirem idade mínima, com ou sem contribuição previdenciária.
Isso posto, quando se fala sobre o “rombo na previência” podemos entender que muitos dos recursos ditos de Previdência Social são, ou deveriam ser. Oriundos de ações de Assistência Social já que, quando se trata de aposentadoria por meio de Previdência Social, há uma contribuição prévia cuja média será determinante no cálculo do VALOR DA APOSENTADORIA; há, ainda, um tempo mínimo de contribuição, que irá se refletir no VALOR E NA DATA DA APOSENTADORIA e há, por fim, um cálculo atuarial que leva em conta, principalmente, a expectativa de vida da população e que define a IDADE MÍNIMA E A DATA DE APOSENTADORIA. Cabe esclarecer que a habilitação para a aposentadoria só ocorre quando se atinge TODAS AS CONDICIONANTES DE HABILITAÇÃO, dentre elas a idade mínima, o tempo e o valor mínimo de contribuição.
Em se tratando de Previdência Social no Brasil, há um tratamento diferenciado no que se refere ao gênero do contribuinte, sendo que a aposentadoria por tempo de contribuição pode ser integral ou proporcional. Para ter direito à aposentadoria integral, o homem deve comprovar pelo menos 35 anos de contribuição e a mulher, 30 anos.
Para requerer a aposentadoria proporcional, o contribuinte tem que combinar dois requisitos: tempo de contribuição e idade mínima.
Os homens podem requerer aposentadoria proporcional aos 53 anos de idade e 30 anos de contribuição, mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava em 16 de dezembro de 1998 para completar 30 anos de contribuição.
As mulheres têm direito à proporcional aos 48 anos de idade e 25 de contribuição, mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava em 16 de dezembro de 1998 para completar 25 anos de contribuição.
Para ter direito à aposentadoria integral ou proporcional, é necessário também o cumprimento do período de carência, que corresponde ao número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o segurado faça jus ao benefício. Os inscritos a partir de 25 de julho de 1991 devem ter, pelo menos, 180 contribuições mensais. Os filiados antes dessa data têm de seguir a tabela progressiva.


2.        HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA
A primeira lei referente ao seguro previdenciário, prevendo a criação de Caixas de aposentadorias e pensões nas empresas ferroviárias existentes na época, data de 1923 (Lei Eloy Chaves). A vinculação ao sistema era institucional: cada empresa possuía uma Caixa destinada a amparar seus empregados na inatividade. Outra característica era a forma de administração, partilhada por empregadores e empregados e sem a participação do Estado.
A partir da década de 1930, a vinculação à previdência social, com a cobertura de aposentadorias e pensões, começou a ser feita por categoria profissional, vindo a envolver quase a totalidade dos trabalhadores assalariados urbanos e grande parte dos autônomos (Oliveira et all, 1997).
A administração dos Institutos de aposentadorias e pensões, desde este período, passou a ser comandada pelo Estado, que escolhe e nomeia seus presidentes, além de definir o formato organizacional de todo o sistema de seguridade social, e a decidir o valor das contribuições dos indivíduos (montante a ser poupado) e onde aplicar os recursos extraídos da sociedade (Oliveira et all, 1997).
Em 1966, os diferentes institutos encarregados da previdência social foram unificados (com exceção do IPASE, o instituto que prestava benefícios e serviços ao funcionalismo público federal), criando-se o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
A administração do novo instituto passou a ser feita pelos funcionários estatais, sendo excluídos dos conselhos administrativos os representantes dos trabalhadores.
Em 1971, foi lançado o Programa de Assistência Rural (PRORURAL), ligado ao FUNRURAL, que previa benefícios de aposentadoria e o aumento dos serviços de saúde até então concedidos aos trabalhadores rurais.
Em 1974 foi criado o Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS) com o objetivo de centralizar as políticas previdenciárias com a criação do Sistema Nacional de Previdência Social (SINPAS) e do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1977.
A Constituição de 1988, complementada pelas Leis 8.212 (Plano de Custeio) e 8.213 (Planos de Benefícios), de 1991, passou a prever o acesso universal de idosos e inválidos de ambos os sexos do setor rural à previdência social, em regime especial.
Em março de 1990, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) foi extinto e suas funções divididas entre o Ministério da Assistência Social e Saúde e o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).
O MTPS incluía, como um órgão auxiliar, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que tomou o lugar do INPS e do IAPAS. Em novembro de 1992, foi feita uma nova reforma administrativa, dividindo o MTPS em dois, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Previdência Social. Este último incorporou o INSS.


3.        A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A DESIGUALDADE DE GÊNERO
As condições no mercado de trabalho entre homens e mulheres reduzem a capacidade contributiva das mulheres pois, em relação ao NÍVEL DE ATIVIDADE, a população economicamente ativa feminina é menor, embora a diferença esteja se reduzindo gradativamente.
Em relação à REMUNERAÇÃO, os rendimentos médios das mulheres são menores, o grau de informalidade entre a os postos ocupados pelo sexo masculino e feminino está convergindo.
Já em relação às TRANSIÇÕES, a permanência das mulheres no mercado de trabalho é menor, ou seja, as mulheres fazem mais transições entre atividade e inatividade ao longo da vida. O tempo de permanência no mercado de trabalho das mulheres é menor que o dos homens (8,9 anos para as mulheres e 15,2 anos para os homens, na média), em função do maior comprometimento com as atividades domésticas.
Mesmo entre as mulheres, há também fortes disparidades já que seus rendimentos, e conseqüente capacidade de contribuir para a Previdência Social, dependem, principalmente, do tipo de ocupação, da raça, da situação de domicílio (rural X urbano e do nível de educação. As ocupações mais vulneráveis têm renda mais baixa e proporção maior de mulheres e a renda do trabalho é maior para mulheres brancas, que vivem na zona urbana, têm alta escolaridade e em postos de direção.


4.        DIFERENCIAIS DOS BENEFÍCIOS POR SEXO
Há uma grande proporção de mulheres beneficiárias. Só a partir dos 60 anos de idade é que a proporção de homens cobertos torna-se mais elevada do que a de mulheres, entretanto, a maior parte dos benefícios das mulheres tem claro vínculo contributivo:

TIPOS DE BENEFÍCIOS
PROPORÇÃO DE BENEFÍCIOS (MPAS – DEZ 2005)
HOMENS
MULHERES
Idade
24,2
30,5
Tempo de Contribuição
29,5
6,8
Pensões
6,6
38,5
Benefício de Prestação Continuada
11,8
9,4
Outros
27,9
14,6
Total
100,0
100,0
Fonte: MPAS/2005

Por terem menor poder de contribuição e dependem da sua IDADE ou da MORTE do cônjuge para obter o benefício, as mulheres recebem um benefício médio menor (R$ 611,00 para os homens e R$ 412,00 para as mulheres – MPAS/2005).
Por outro lado, os homens idosos compõem famílias mais numerosas e com maior número de dependentes, a distribuição da renda familiar per-capita de idosos homens e mulheres é similar.
O benefício previdenciário faz com que as famílias com idosos estejam entre os estratos menos pobres da distribuição de renda no Brasil.



5.        QUESTIONAMENTOS

5.1  As diferença de gênero, em relação à Previdência Social e sob o ponto de vista jurídico, devem ser vistas sobre a ótica do CICLO DE VIDA ou da EQUIDADE NOS PERÍODOS DE CONTRIBUIÇÃO?
O argumento de que as mulheres são beneficiadas pela previdência social baseia-se na noção atuarial de ciclo de vida.
Não há justiça atuarial entre os gêneros, pois as mulheres, em média, contribuem menos e vivem mais que os homens, portanto, sua taxa de retorno é maior que a deles.
No ciclo de vida os homens transferem recursos para as mulheres.
O bem-estar dos indivíduos é usualmente medido em cada período. O que é relevante para os diferentes períodos são os valores correntes dos benefícios pagos a homens e mulheres.
Na perspectiva de períodos, a Previdência Social reproduz o quadro de desigualdade gerado no mercado de trabalho.
A CF/88 preconiza a igualdade entre os gêneros.

5.2  Devemos considerar, sob o ponto de vista jurídico, no FATOR PREVIDENCIÁRIO e na definição da IDADE MÍNIMA DA APOSENTADORIA, que as mulheres vivem mais que os homens?
Segundo o IBGE, a vantagem feminina medida pela expectativa de vida ao nascer, variou de 6,4 anos em 1980, para 7,8 anos em 2001 e 7,6 anos em 2010.
A vantagem feminina se deve à combinação de fatores biológicos (estrogênio/progesterona X testosterona) e fatores sociais (ocupação e comportamento de risco).
A vantagem feminina está sendo reduzida em vários países desenvolvidos, induzida por mudanças em comportamentos de risco das mulheres, principalmente o aumento de consumo de tabaco.
Nas idades avançadas, as mulheres vivem mais que os homens, MS com maior morbidade. Devemos considerar, além da expectativa de vida a diferença nas condições de saúde entre homens e mulheres?
A CF/88 preconiza a igualdade entre os gêneros.


REFERÊNCIAS



BRUMER, Anita. Previdência Social Rural e Gênero. Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 4, nº 7, jan/jun 2002.


OLIVEIRA, Francisco E. B. de; BELTRÃO, Kaizô Iwakami; FERREIRA, Mônica Guerra. Reforma da Previdência. Rio de Janeiro: IPEA, 1997.


WAJNMAN, Simone. Gênero e Previdência Social no Brasil. Apresentação feita na CEDEPLAN/UFMG, Abr 07. Belo Horizonte, 2007.

A "LIBERDADE" QUE VIOLENTA


Texto apresentado na aula do dia 20/03/12
Por Diego Nardi e Guilherme Crespo

Recentemente, na Bahia, o poder legislativo estadual propôs projeto de lei que proibe a contratação com verbas públicas de artistas que degradem a imagem da mulher. Não foram poucos os que bradaram sobre a inconstitucionalidade da lei estadual por exercer, indiretamente, restrição da liberdade de expressão. Não é de se admirar que boa parte das críticas venha da industria fonográfica e do entertenimento; de certa forma, eles reconhecem em si promotores dos discursos que a lei busca combater.
Embricamentos e interesses econômicos de lado, a liberdade de expressão tem sido nos últimos tempos a grande base das argumentações que tentam deslegitimar qualquertentativa de banir da esfera pública práticas que perpetuam uma violência sobre outros que está para além da manifestação física; tais tentativs buscam de combater o plano simbólico da violência, aquela agressão que existe e se desenvolve, consciente ou inconscientemente, no plano das relações sociais por intermédio, principalmente, do discurso, criando crenças que fazem com que o indivíduo se posicione no espaço social segundo critérios e padrões do discurso dominante. [1]
É evidente que não cabe ao Estado exercer juízo sobre a moral dos indivíduos ou, até mesmo, julgar, com bases morais, o conteúdo de uma canção, por exemplo. Fazer isso seria extrapolar sua esfera de atuação limitando, sem qualquer sombra de dúvidas, a garantia à liberdade de expressão que é essencial à democracia. Porém, juízo moral é estabelecido com base na distinção entre o que é certo e o que é errado, distinção essa que não é homogênea para todos os indivíduos que vivem em uma mesma comunidade. A partir do momento no qual o Estado passa a pautar sua conduta de restrição das liberdades dos indivíduos com base em fundamentos morais, estamos diante de um problema que, de fato, é contrário à liberdade de expressão.
Porém, coibir manifestações que carregam em si juízos de valores que atentam contra a dignidade de indivíduos ou grupos de indivíduos não é o mesmo que coibir manifestações que carregam em si juízos de valores que discordam da atuação política de indivíduos ou grupos de indivíduos. A diferenciação não é das mais difíceis, mas, infelizmente, a violência do discurso que não deixa marcas físicas ainda é deixada de lado, sendo caracterizada como algo incapaz de gerar efeitos verdadeiramente negativos. Assim, não é raro encontrar aqueles que abominam episódios de agressão doméstica mas, ao mesmo tempo, não veem nada demais em uma música que diz que mulher tem apenas o direito de sentar e ficar caladinha.
É claro que a violência física possui um grau de afetação muito mais explícito que o discurso sexista veiculado por uma canção, afinal, em última instância, a agressão que deixa marcas busca suprimir a existência do outro indivíduo da forma mais drástica possível, eliminando a vida.
Se por um lado a canção não deixa traços claros de violência, por outro ela legitima condutas que deixam; reproduz crenças e valores que acabam por exercer uma poderosa influência negativa na construção das identidades às quais indivíduos são forçados a se adequarem em decorrência das pressões sociais. Em relação às mulheres, trata-se de um estereótipo que vê nela senão um objeto sexual com responsabilidades essencialmente maternas e domésticas, não sendo possível negar as consequências nefastas da atitude sexista que as coloca nessa situação.
Para além das músicas, exemplos não faltam. Talvez o mais evidente seja a da cerveja que associa o produto ao corpo da mulher enquanto meio para satisfação masculina, levando a reificação aos extremos. Escolha uma loira, negra ou ruiva; elas estão aí para serem consumidas, nasceram para servir e dar prazer. Devassa é o adjetivo que as define.
Para a maioria das pessoas, trata-se apenas de uma cerveja e nada mais que isso.
A construção social de gênero e papeis sociais atribuídos a cada um desses gêneros, por se estabelecerem quase à margem de uma clara percepção racional desse processo, acabam por naturalizarem um padrão de normalidade, onde o exemplo mais claro é a mulher dona-de-casa e o homem provedor. Embora muitos advoguem que essa divisão é esdrúxula e já foi superada, notamos que essa representação se estende para além dos espaços privados de convivência; o simbólico, que condiciona o espaço público da mulher apenas à exploração do seu corpo (de diversas formas), acaba por formar a base para uma cultura machista que acredita ter o domínio sobre esse corpo – colocado à venda ou disponível ao uso a qualquer tempo. E não parece difícil estabelecer uma relação direta entre posse do corpo e violência física concreta que mulheres sofrem todos os dias. Expressões artísticas que reproduzem essa lógica da posse apenas reforçam, corroboram, legitimam toda uma cultura que mata mulheres (no espaço privado, socialmente ou de fato).
Quando discursos deixam de deslegitimar tão somente ações ou opiniões passando a deslegitimar o indivíduo em decorrência de características que fazem parte de sua identidade, estamos diante de discursos de violência. Tais discursos, destrutivos, quando não pregam a supressão do indivíduo, pregam a violência contra ele de modo a tornar sua existência menos digna.
É evidente que esses discursos não encontram espaço na liberdade de expressão, uma vez que não contribuem para o fluxo comunicativo, já que buscam excluir indivíduos/grupos de indivíduos dos espaços públicos. Ou seja, há intenção de limitação da liberdade do outro e aqui vale o velho brocardo sobre os limites da liberdade, afinal só há liberdade com o outro, jamais sem ele.
Assumir um padrão heteronormativo de normalidade tanto para as mulheres que acabarão submetidas a esse padrão quanto para aquelas que o desafiarão é muito custoso, ao mesmo tempo em que afeta de forma direta o Direito. Ora, se vivemos sob um paradigma do direito constitucional democrático, onde a mudança e o direito à diferença são fundamentais para própria sobrevivência desse sistema, experiências culturais que reforcem valores que objetificam a mulher e que, portanto, a desumanizam (contribuindo para a naturalização dessa condição), são no mínimo antidemocráticas, antijurídicas, inconstitucionais. E se é papel do Estado democrático de direito, através de seus espaços institucionais resguardar o que é mais caro à Constituição e o que a fundamenta, parece não ser só um absurdo argumentar contra intervenção estatal, como é essencial que o Estado não se mantenha passivo no tocante a essas manifestações.
Assim, projetos de lei que busquem impedir, de alguma forma, a reprodução das diversas formas de expressão e perpetuação da violência encontram amparo não apenas na Constituição, mas, antes, no papel transformador e emancipador que deve ter o Direito ao lidar com as questões sociais que lhe são apresentadas. Combater a desigualdade de gênero é assumir a razão de ser do constitucionalismo democrático em sua essencialidade, possibilitando que os indivíduos possam ter pleno domínio sobre seus projetos de vida, os quais não podem estar previamente determinados por convenções sociais ou ameaçados por contextos de violência.