Texto apresentado no dia 24/05/12
Por Iana
Dornelas Fonte Boa e Caio
Eduardo Cormier Chaim
A
Constituição Federal de 1988 estabelece que o Brasil constitui-se em Estado
Democrático de Direito, orientado por princípios fundamentais que refletem os
valores da nossa sociedade, inspirando e conduzindo a interpretação e a
aplicação do Direito nos casos concretos. A dignidade da
pessoa humana é um dos princípios norteadores de nosso ordenamento jurídico, um
dos mais notáveis elementos dos chamados princípios fundamentais, base da
concepção ocidental de liberdade e justiça.
Na esfera
privada, a Lei Magna reconhece a orientação sexual como expressão da
personalidade, a qual deve ser protegida como bem jurídico que é, a fim de que
possa se desenvolver em toda a sua plenitude, desde que de acordo com os
limites legais.
A
igualdade também é assegurada como direito fundamental e a Constituição estabelece
critérios para seu reconhecimento, condenando expressamente todas as formas de
preconceito e discriminação. Tomando como base tais princípios, considerados
como pilares de nosso sistema jurídico, discute-se a real aplicação destes na
realidade social atual, trazendo-se à discussão a questão referente à extensão
do conceito de união estável para relacionamentos homoafetivos.
A
Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, versa o seguinte: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.” Anteriormente à edição da Carta Magna,
inexistente era o conceito de união estável. Tais situações eram qualificadas
como concubinatos, que poderiam ser limpos (em casos de relacionamento entre
duas pessoas desimpedidas) ou sujos (quando uma das partes era casada e
mantinha relação duradoura com outrem). Com a edição das novas leis, o
concubinato foi eliminado e adquiriu sentido pejorativo, já que a modalidade
“limpa”, agora, passaria a se chamar união estável.
O reconhecimento da união estável como entidade familiar
passou, então, a produzir inúmeros outros efeitos jurídicos que resultam de um
relacionamento familiar tipificado, envolvendo conceitos tais como sociedades
de fato para partilha de patrimônio adquirido por esforço comum(Súmula 380
STF), direito real de habitação, pensões, sucessão, entre tantos outros. O
Estado passa a tutelar os efeitos, agora jurídicos, produzidos por uma união
estável.
A doutrina atual entende existirem quatro requisitos para que
seja reconhecida uma união estável. São eles a publicidade, a durabilidade,
continuidade do relacionamento e o objetivo de constituir família. Qualifica-se,
dessa forma, respeitando a todas essas exigências, um casal homoafetivo que se
relacione e viva junto após determinado período de tempo. O único empecilho
para que seja reconhecido a estes tal direito, com todos os seus benefícios e
extensões, é a barreira imposta pela norma, limitando o reconhecimento da união
estável apenas, nas palavras da lei, aos relacionamentos “entre o homem e a
mulher”.
Dessa
forma, a orientação sexual usada para excluir do conceito de união estável a
relação entre pessoas do mesmo sexo é um argumento altamente discriminatório,
oposto ao pregado pelos princípios fundadores de nossa Constituição, retirando
tais modalidades de relacionamento do conceito de entidade familiar, enquadrando-as
como não merecedores de tutela jurídica, da previsibilidade e estabilidade da
segurança jurídica, outro princípio fundamental de nosso sistema normativo.
Além do
exposto, está previsto na Constituição o direito de escolha, o poder de decisão
de autonomia privada. O ordenamento jurídico assegura a liberdade e, assim,
deve criar meios e condições para que ela seja exercida, materializada.
"Não reconhecer a um indivíduo a possibilidade de viver sua orientação
sexual em todos os seus desdobramentos é privá-lo de uma das dimensões que dão
sentido a sua existência, impedir o exercício de sua liberdade e o
desenvolvimento de sua personalidade, depreciando a qualidade dos seus
projetos de vida e dos seus afetos. Isto é: fazendo com que sejam menos livres
para viver as suas escolhas." (Barroso, 2007, 18-19).
Baseado
nas demandas sociais atuais, com novas exigências que não aquelas vividas no
paradigma social existente quando a Constituição foi elaborada, o Supremo
Tribunal Federal decidiu, em 5 de maio de 2011, que é "Obrigatório o
reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como
entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a
constituição da união estável entre homem e mulher; que os mesmos direitos e
deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos
companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo." A esse
respeito já havia se declarado, também, o Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do Recurso Especial nª 1.183.378-RS. Com isso, afirma-se um avanço
na interpretação constitucional, se aproximando da realidade social presente e
respondendo às demandas por coerência entre o texto da lei e os casos concretos
recentes, resultados de novas dinâmicas sociais. A afetividade foi reiterada
como o elemento essencial na caracterização da união estável com o julgamento
do Supremo Tribunal Federal. Os requisitos de convivência pública,
continuidade, durabilidade e objetivo comum de constituição de família (como
descreve o art. 1723 do Código Civil) ganharam maior importância do que a
simples limitação de sexo para o reconhecimento da união estável, imposta na
redação do art. 226 da CF.
O
relacionamento que recebe proteção legal é aquele que visa à plena comunhão da
vida e dos interesses do casal. Ou seja, com essa nova interpretação, a união
estável homoafetiva é tratada juridicamente como entidade familiar pelo Direito
de Família, não mais como uma sociedade de fato, reconhecida no Direito das
Obrigações. Encaminhados, agora, às Varas de Família, podem ser discutidos não
apenas direitos patrimoniais, como também aqueles que resultam das relações
familiares, tais como mútua assistência, alimentos, herança, habitação, benefícios
previdenciários. Entre esses está inclusive o direito de converter a união
estável em casamento civil, considerando que a lei deve facilitar essa
conversão, para efeito da proteção do Estado (de acordo com a descrição do art.
226, §3º, da Constituição de 1988).
Mesmo com
a posição favorável do STF quanto a legalizar a união entre pessoas do mesmo
sexo e exigir que estes direitos sejam reconhecidos, existem decisões
posteriores ao acordão que persistem em não reconhecer a união estável
homoafetiva, como bem foi noticiado em caso de pedido de reconhecimento de
união estável em Vara de Família na cidade de Goiânia, indeferido pelo juiz de
primeiro grau.
Tais
casos refletem a concepção homofóbica e conservadora que, infelizmente, ainda é
perpetrada em nossa sociedade, trazendo à baila discussões acerca da
legitimidade e extensão dos princípios fundamentais defendidos por nossa Constituição.
Referências Bibliograficas:
BARROSO, Luís Roberto. Diferentes,
mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações
homoafetivas no Brasil. Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, nº. 16, maio-junho-julho-agosto, 2007. Disponível no site:
http://www.direitopublico.com.br.
FRANCISCHET,
Carolina Fratari; TAVARES, Maria Terezinha. União Estável Homoafetiva.
Disponível em: <https://ssl4799.websiteseguro.com/swge5/seg/cd2008/PDF/SA08-20602.PDF>. Acesso em: 17 de abril de 2012
BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277-7.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4277&processo=4277>. Acesso em: 17 de abril de 2012
< >, precedido da expressão
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