sexta-feira, 4 de maio de 2012

Extensão do conceito de união estável para as relações homoafetivas


Texto apresentado no dia 24/05/12
Por Iana Dornelas Fonte Boa e Caio Eduardo Cormier Chaim
 

A Constituição Federal de 1988 estabelece que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, orientado por princípios fundamentais que refletem os valores da nossa sociedade, inspirando e conduzindo a interpretação e a aplicação do Direito nos casos concretos. A dignidade da pessoa humana é um dos princípios norteadores de nosso ordenamento jurídico, um dos mais notáveis elementos dos chamados princípios fundamentais, base da concepção ocidental de liberdade e justiça.
Na esfera privada, a Lei Magna reconhece a orientação sexual como expressão da personalidade, a qual deve ser protegida como bem jurídico que é, a fim de que possa se desenvolver em toda a sua plenitude, desde que de acordo com os limites legais.
A igualdade também é assegurada como direito fundamental e a Constituição estabelece critérios para seu reconhecimento, condenando expressamente todas as formas de preconceito e discriminação. Tomando como base tais princípios, considerados como pilares de nosso sistema jurídico, discute-se a real aplicação destes na realidade social atual, trazendo-se à discussão a questão referente à extensão do conceito de união estável para relacionamentos homoafetivos.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, versa o seguinte: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Anteriormente à edição da Carta Magna, inexistente era o conceito de união estável. Tais situações eram qualificadas como concubinatos, que poderiam ser limpos (em casos de relacionamento entre duas pessoas desimpedidas) ou sujos (quando uma das partes era casada e mantinha relação duradoura com outrem). Com a edição das novas leis, o concubinato foi eliminado e adquiriu sentido pejorativo, já que a modalidade “limpa”, agora, passaria a se chamar união estável.
O reconhecimento da união estável como entidade familiar passou, então, a produzir inúmeros outros efeitos jurídicos que resultam de um relacionamento familiar tipificado, envolvendo conceitos tais como sociedades de fato para partilha de patrimônio adquirido por esforço comum(Súmula 380 STF), direito real de habitação, pensões, sucessão, entre tantos outros. O Estado passa a tutelar os efeitos, agora jurídicos, produzidos por uma união estável.
A doutrina atual entende existirem quatro requisitos para que seja reconhecida uma união estável. São eles a publicidade, a durabilidade, continuidade do relacionamento e o objetivo de constituir família. Qualifica-se, dessa forma, respeitando a todas essas exigências, um casal homoafetivo que se relacione e viva junto após determinado período de tempo. O único empecilho para que seja reconhecido a estes tal direito, com todos os seus benefícios e extensões, é a barreira imposta pela norma, limitando o reconhecimento da união estável apenas, nas palavras da lei, aos relacionamentos “entre o homem e a mulher”.
Dessa forma, a orientação sexual usada para excluir do conceito de união estável a relação entre pessoas do mesmo sexo é um argumento altamente discriminatório, oposto ao pregado pelos princípios fundadores de nossa Constituição, retirando tais modalidades de relacionamento do conceito de entidade familiar, enquadrando-as como não merecedores de tutela jurídica, da previsibilidade e estabilidade da segurança jurídica, outro princípio fundamental de nosso sistema normativo.
Além do exposto, está previsto na Constituição o direito de escolha, o poder de decisão de autonomia privada. O ordenamento jurídico assegura a liberdade e, assim, deve criar meios e condições para que ela seja exercida, materializada. "Não reconhecer a um indivíduo a possibilidade de viver sua orientação sexual em todos os seus desdobramentos é privá-lo de uma das dimensões que dão sentido a sua existência, impedir o exercício de sua liberdade e o desenvolvimento de sua personalidade, depreciando a qualidade dos seus projetos de vida e dos seus afetos. Isto é: fazendo com que sejam menos livres para viver as suas escolhas." (Barroso, 2007, 18-19).
Baseado nas demandas sociais atuais, com novas exigências que não aquelas vividas no paradigma social existente quando a Constituição foi elaborada, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 5 de maio de 2011, que é "Obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; que os mesmos direitos e deveres dos companheiros  nas  uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo." A esse respeito já havia se declarado, também, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nª 1.183.378-RS. Com isso, afirma-se um avanço na interpretação constitucional, se aproximando da realidade social presente e respondendo às demandas por coerência entre o texto da lei e os casos concretos recentes, resultados de novas dinâmicas sociais. A afetividade foi reiterada como o elemento essencial na caracterização da união estável com o julgamento do Supremo Tribunal Federal. Os requisitos de convivência pública, continuidade, durabilidade e objetivo comum de constituição de família (como descreve o art. 1723 do Código Civil) ganharam maior importância do que a simples limitação de sexo para o reconhecimento da união estável, imposta na redação do art. 226 da CF.
O relacionamento que recebe proteção legal é aquele que visa à plena comunhão da vida e dos interesses do casal. Ou seja, com essa nova interpretação, a união estável homoafetiva é tratada juridicamente como entidade familiar pelo Direito de Família, não mais como uma sociedade de fato, reconhecida no Direito das Obrigações. Encaminhados, agora, às Varas de Família, podem ser discutidos não apenas direitos patrimoniais, como também aqueles que resultam das relações familiares, tais como mútua assistência, alimentos, herança, habitação, benefícios previdenciários. Entre esses está inclusive o direito de converter a união estável em casamento civil, considerando que a lei deve facilitar essa conversão, para efeito da proteção do Estado (de acordo com a descrição do art. 226, §3º, da Constituição de 1988).
Mesmo com a posição favorável do STF quanto a legalizar a união entre pessoas do mesmo sexo e exigir que estes direitos sejam reconhecidos, existem decisões posteriores ao acordão que persistem em não reconhecer a união estável homoafetiva, como bem foi noticiado em caso de pedido de reconhecimento de união estável em Vara de Família na cidade de Goiânia, indeferido pelo juiz de primeiro grau.
Tais casos refletem a concepção homofóbica e conservadora que, infelizmente, ainda é perpetrada em nossa sociedade, trazendo à baila discussões acerca da legitimidade e extensão dos princípios fundamentais defendidos por nossa Constituição.

Referências Bibliograficas:
BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 16, maio-junho-julho-agosto, 2007. Disponível no site: http://www.direitopublico.com.br.
FRANCISCHET, Carolina Fratari; TAVARES, Maria Terezinha. União Estável Homoafetiva. Disponível em: <https://ssl4799.websiteseguro.com/swge5/seg/cd2008/PDF/SA08-20602.PDF>. Acesso em: 17 de abril de 2012
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277-7. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4277&processo=4277>. Acesso em: 17 de abril de 2012

< >, precedido da expressão Disponível em: 

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