Texto apresentado no dia 03/04/12
Por Guilherme Leite Chamum Aguiar e Lucas Martins de Andrade
No decorrer do século XX pode-se observar no
Brasil um considerável progresso no âmbito da questão racial, principalmente no
que se refere aos afro-brasileiros e aos nativo-brasileiros. Contudo, no que
tange aos indivíduos que por serem frutos da miscigenação, não são
caracterizados como negros - mesmo tendo a mesma raiz de ancestralidade que
eles e as mesmas condições de marginalização que eles, assim como sofrendo dos
mesmos flagelos e preconceitos - o avanço é quase nulo. É sobre a não inclusão
dos mestiços marginalizados nas políticas afirmativas que o presente artigo se
destina a tratar, visto que eles acabam encontrando-se duplamente alijados do
processo social: marginalizados pela sociedade racista e excluídos das
políticas afirmativas destinadas aos negros Não seria o mestiço de origem
afro-descendente tão marginalizado quanto o negro? Seria uma pequena diferença
no tom de pele o suficiente para apagar da história do mestiço as marcas do
chicote europeu da escravidão? Não seria também o mestiço vítima de preconceito
e exclusão da sociedade? Estaria o mestiço em condições de igualdade com o
branco para não precisar ser incluído nas ações afirmativas? São questões como
essas que nos motivaram a trabalhar a questão racial do mestiço brasileiro no
presente trabalho.
Sabe-se que o Brasil é um país de situação
racial ímpar. A miscigenação ocorrida no decorrer de seu desenvolvimento levou
a um contexto em que definir a “cor” de um indivíduo torna-se uma tarefa quase
impossível. Enquanto países como África do Sul e Estados Unidos apresentam
forte determinação da identidade racial, no Brasil isso não é observado.
A
dificuldade na determinação dessa característica divide estudiosos e a
população em geral. Joel Rufino dos Santos, historiador e professor da UFRJ,
tenta definir o negro brasileiro enquadrando-o em características que ele julga
essenciais, incluindo cor de pele, ancestralidade africana, ascendência
escravocrata, pobreza, além da própria assunção da identidade. Obviamente essa
definição tentaria sistematizar algo complexo e sem definição, além de excluir completamente
indivíduos que não cumpram um ou outro quesito. Assim, se uma pessoa tivesse
traços mestiços na família, estaria sendo excluída de ações afirmativas por
parte do governo.
Esse
exemplo serve para determinar que não se pode definir um “negro” apenas pelo
tom de pele ou algum outro conceito biológico, mas também deve-se considerar os
fatores histórico-sociais. E os estudos e pesquisas realizados apenas provam
mais e mais que no Brasil uma classificação absoluta como “negro” é quase
inexistente. Assim, faz-se necessária uma breve análise do histórico do
fenômeno da miscigenação no Brasil.
O
primeiro tipo teria surgido nos primórdios da história do país. Os brancos
europeus tiveram seu contato com os povos indígenas logo após sua chegada à
terra desconhecida. Algo que teria motivado isso seria a necessidade de
ocupação do imenso território confrontada com a pequena população portuguesa.
Além disso, foi necessária a formação de laços com os povos nativos, sendo a
estratégia adotada a dominação da cultura desses povos, subordinando-os à
dominação colonial. O terceiro e último fator a ser levado em conta seria, pura
e simplesmente, a libido do conquistador, que, reprimido pela toda poderosa
Igreja Católica, teve uma oportunidade para satisfazer suas vontades em uma
terra distante de sua sociedade original.
O
segundo tipo de miscigenação teria ocorrido com o contato de negros de origem
africana (escravos fugidos, quilombolas) com povos nativo-brasileiros. Esse
fenômeno ocorreu principalmente com os movimentos sertanistas e o auge da
plantação de cana-de-açúcar, quando quantidades imensas de escravos africanos
desembarcavam no país constantemente. Comunidades quilombolas e nativos
refugiados vieram a interagir e formar a chamada cultura cafuza.
O
terceiro tipo, e sem dúvida o mais proeminente na população brasileira, é o que
envolve o branco europeu e o negro de origem africana. O primeiro motivo que
teria levado a essa miscigenação teria sido, obviamente, seria o mesmo que
levou à formação do grupo cafuzo: a imensa quantidade de escravos africanos
chegando ao Brasil constantemente ao longo de mais de três séculos. Sua cultura
acabou infiltrando-se no país. O segundo motivo seria a submissão do escravo
negro ao amo branco. O branco europeu usava a população negra como válvula de
escape para seu prazer sexual, algo muito facilitado pela presença constante de
membros desse grupo em sua rotina. O fácil acesso a uma escrava negra tornou
essa prática muito comum, assim fazendo com que mestiços de negros e brancos
tenham alcançado número proeminente.
O mestiço era visto como o elo fraco, o
passado perverso da colonização; como o sinal de fraqueza do colonizador que,
sucumbindo aos anseios da carne, procriou com as raças ditas inferiores. Por
esse motivo o mestiço sempre ficou à margem da sociedade desde seu nascimento,
quando era considerado filho bastardo e ilegítimo do conquistador branco e não
tinha acesso às mesmas oportunidades e direitos que eram ofertados aos filhos
brancos, legítimos ou não, do colonizador branco. A prole mestiça era
frequentemente incorporada à massa escrava negra das senzalas,
independentemente de possuir uma tonalidade de pele mais clara, ou seja, ser
negro no Brasil há muito não é uma
questão biológica, mas sim histórico-cultural.
Sistemas de cotas no Brasil são muito
necessários para remediar as desigualdades e injustiças de cunho histórico
presentes na sociedade brasileira hodiernamente. Contra essa assertiva restam poucas objeções bastante infundadas e
sem lastro na realidade brasileira. O problema em questão é: as cotas raciais existentes
atualmente no país também beneficiam os ditos negro- mestiços ou
negro-histórico-sociais brasileiros, ou a sua atuação restringe-se a fatores
secundários e acessórios à identidade negra como, por exemplo, a cor da pele e
a textura do cabelo?
Infelizmente podemos constatar que os sistemas
de cotas atualmente existentes tendem a observar quase que exclusivamente
características físicas e a ignorar fatores de importância cabal como história
e topos social.
Em maio de 2007 dois irmãos gêmeos e
mestiços, Alan Teixeira da Cunha e Alex Teixeira da Cunha, de 18 anos ambos,
inscreveram-se no sistema de cotas raciais para ingressar na UnB. Essa opção
foi tomada pelos irmãos por causa da origem afro-descendente da família (o pai
de ambos era negro de pele escura) e por possuírem pele morena. Alex e Alan
eram gêmeos univitelinos e, portanto fisicamente idênticos. Para que o pedido
para ser beneficiado pelo sistema de cotas fosse aceito pela UnB, os candidatos
deveriam enviar fotos suas para uma comissão avaliadora examinar se eles seriam
dignos de se enquadrar no sistema. Os dois irmãos tiraram fotos no mesmo dia e
enviaram-nas para a comissão. Depois de avaliar as fotos, veio o parecer
inacreditável: para a UnB Alex seria branco e não poderia ser beneficiado pelo
sistema de cotas enquanto Alan seria negro e teria o direito ao benefício.
Esse caso pitoresco evidencia o caráter
meramente exterior, ineficiente e incompleto que o sistema de cotas raciais
apresenta atualmente. Na avaliação atual feita no sistema de cotas o aspecto
principal a ser avaliado e levado em conta é excluído do processo, qual seja a
identificação do negro histórico-social, a quem realmente se destina o projeto.
A proposta não é o fim das políticas
afirmativas, as quais, pelo contrário, devem ser estimuladas e fortalecidas em
prol de uma sociedade mais justa e igualitária conforme prevê a Constituição;
mas sim uma mudança nos critérios de definição do beneficiado pelas políticas.
Nesse sentido a proposta reside numa transformação do conceito de “negro”
existente. Em vez de representar um apanhado de características
físico-biológicas um tanto quanto nebulosas e incertas em muitos casos, a
palavra negro deveria se referir a um apanhado de características sociais e
históricas peculiares a uma parcela da população que foi e ainda é explorada
pela massa hegemônica, é alvo de preconceito e desigualdade social
contundentes.
Estou de acordo com tudo o que foi dito acima, porque os mestiços são historicamente prejudicados nessa sociedade brasileira que os exclui do "mundo dos brancos",mas também não os enquadra no "mundo dos negros". Mas de que forma uma banca examinadora, por exemplo, poderia comprovar histórica e socialmente sua exclusão perante a sociedade? pesquisando se tem parentes negros? Não consigo achar uma solução concreta :(
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