sábado, 21 de abril de 2012

LEI MARIA DA PENHA E OS CASOS EXCEPCIONAIS


Texto apresentado na aula do dia 10/04/12
Por Yuri Rodrigues de Alencar e    Renato Garcia Sanches de Souza


              A violência domestica é um tema discutido com fervor pela sociedade brasileira e pela cúpula jurídica do país durante os últimos anos, principalmente devido ao advento da lei 11340/06 (Lei Maria da Penha) e seus efeitos materiais e processuais no ordenamento brasileiro. Nessa seara de inúmeras controvérsias de aplicação da lei e do seu alcance de aplicação nas relações familiares, surge a dúvida se será aplicado os dispositivos dessa norma caso seja relatado a agressão entre mulheres nas relações familiares, ou mesmo quando o alvo das agressões sejam transexuais ou travestis e se é possível aplicar a lei em tais casos sem estar desrespeitando princípios penais e constitucionais.

            O art. 1 da lei Maria da Penha que busca coibir e prevenir a violência domestica e familiar contra a mulher e seu artigo 5º do mesmo dispositivo enunciam que as relações pessoais serão punidas caso haja agressões independente de orientação sexual da mulher e que resulte de qualquer ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial. Dessa maneira esse será o principal ponto do nosso questionamento que gira na esfera de não diferenciação sexual da mulher e suas várias manifestações. A dúvida seria se tal lei dá espaço para que seja aplicada também em relações lesbianas, e se ela também dá espaço para a aplicabilidade perante agressões contra transexuais, como em decisões aplicadas em alguns tribunais do nosso país como da Transexual que sofreu maus tratos por parte do parceiro e que conseguiu o direito à aplicação da Lei Maria da Penha na decisão da juíza Ana Claudia Magalhães, da 1ª Vara Criminal de Anápolis, que manteve o acusado na prisão e o proibiu, quando em liberdade, de estar a menos de mil metros da ofendida e de seus familiares.

            Deve-se remeter a literatura da medicina e as resoluções dos conselhos federais e regionais a fim de chegarmos a alguma conclusão sobre a inclusão ou não e quais serão os critérios que deverão ser utilizados pelo judiciário na analise dos fatos e questões que chegam e chegarão aos juízes caso cheguem demandas similares na esfera jurídica. O estudo histórico do porquê da criação da lei nos ajuda a entender qual será sua esfera de atuação, ou seja, devemos entender a utilidade da criação desse dispositivo para não criar crimes e praticas processuais que desvirtuam o sentido original da lei.

2          Gênero usado como forma de expandir a lei

            Quando falamos em opção sexual, geralmente a sociedade associa ao sexo de nascimento e das expectativas sociais esperadas para as pessoas que nascem com determinado órgão genital. Entretanto, a fim da ampliação da discussão e dos efeitos no ordenamento jurídico, deve-se rebater tal pensamento e procurar explicar por que transexuais, travestis e outras pessoas que sintam socialmente como uma pessoa pertencente ao sexo feminino devem ser abarcadas pela lei Maria da Penha.

            O conceito de gênero é derivado de uma construção do campo legal, antropológico e social o qual relaciona a condição da pessoa, como um ser humano, inserida na sociedade e que experimenta e vivencia inúmeras situações as quais fazem optar por um grupo ou forma de manifestação sexual a despeito do sexo de nascimento. Embora algumas pessoas tenham nascido com determinado sexo, não se sentem socialmente e psicologicamente tranquilas quanto a sua condição sexual biológica. Dessa forma, há homens que estão totalmente inseridos no universo feminino, apesar de terem nascido com órgãos sexuais masculinos.

            Na hora da decisão, os juízes se deparam com casos nos quais, ainda que a vítima tenha determinado sexo, tal fato deve ser ignorado pelo fato de tal pessoa pertence a um gênero diferente. Os vários estudos tentam diferenciar as inúmeras manifestações da sexualidade; dessa maneira, a transexual se distingue e se diferencia dos homossexuais e das travestis. A travesti usa roupas femininas e o faz devido à satisfação emocional que esse agir lhe traz, diferente do homossexual que se veste como homem. Já a transexual veste roupas femininas porque é uma mulher e quer ser desejada e socialmente aceita como tal. Em decisão recente aplicando a lei somente para transexuais, a juíza Ana Claudia Magalhães, da 1ª Vara Criminal de Anápolis, salientou que seria possível o uso dos dispositivos levando-se em consideração a condição de mulher da vítima perante a sociedade, a despeito do sexo do seu nascimento, e frisou que o termo "mulher" pode se referir tanto ao sexo feminino, quanto ao gênero feminino, o sexo é determinado quando uma pessoa nasce, mas o gênero é definido ao longo da vida. Logo, não teria sentido sancionar uma lei que tivesse como objetivo a proteção apenas de um determinado sexo biológico. De gênero entende-se que se refere às características sociais, culturais e políticas impostas a homens e mulheres e não às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Desse modo, a violência de gênero não ocorre apenas de homem contra mulher, mas pode ser perpetrada também de homem contra homem ou de mulher contra mulher.

            A interessante decisão da magistrada gerou inúmeras discussões no mundo jurídico quanto ao alcance de tal decisão e sua própria constitucionalidade. Tal mecanismo foi criado para coibir a violência domestica do homem (machista), biologicamente concebido, contra a mulher na relação clássica de homem e mulher, ou seja, a relação historicamente esperada e aceita pela maioria da população. Aqui devemos ter a preocupação em não nos atermos ao passado e sempre aproveitarmos as novas situações socialmente aceitas na atualidade, a fim de ampliar os mecanismos de proteção às pessoas e não restringir a um grupo biologicamente concebido. É de conhecimento geral que a lei foi impulsionada pela história da biofarmacêutica Maria da Penha, que ficou paraplégica devido às agressões de seu marido e lutou por vários anos para que esse fosse punido. Porém, no âmbito constitucional, baseado no ponto de vista de gênero, não se podem criar leis diferenciando mulheres nascidas com órgãos sexuais femininos de mulheres que tornam-se do sexo feminino durante sua vida, ou seja, haveria uma explícita desobediência ao princípio da igualdade nesse dispositivo. Quanto ao gênero, a mulher não nasce mulher torna-se mulher na interação social e histórica, assim o conceito de gênero se refere apenas às pessoas e às relações entre os seres humanos.


            Assim, segundo essa visão, poderíamos concluir que, na esfera da lei, será possível caracterizar tanto os transexuais quanto outros homossexuais, caso seja aplicado a lei Maria da Penha para pessoas nascidas com o sexo masculino e que sintam-se pertencentes ao gênero feminino ao longo de sua vida .

3          Contexto histórico e intencionalidade da lei

            Porém, diferentemente da última perspectiva, também há uma preocupação com a possibilidade de desvirtuar o sentido inicial inspirador da criação da lei Maria da Penha. Tal motivo remete à tradição machista de que homem, ao espancar ou estuprar sua mulher ou namorada, estaria no seu pleno direito concedido pela relação instituída social e juridicamente: a lei foi criada justamente para combater essa perspectiva.
            A dúvida da aplicabilidade dessa lei em casos excepcionais seria, então, se o sentido da mesma estaria sendo perdido, visto que lesão corporal e estupro ainda são práticas consideradas criminosas pelo ordenamento – as penas para esses crimes só não têm o rigor adotado no enquadramento perante à Lei 11340/06 pelo motivo de esta última funcionar como uma ação negativa à prática social machista.

4          Aplicabilidade no caso concreto

            No final das contas, não há um único ponto de partida correto para a aplicação da lei Maria da Penha em casos excepcionais: ambos apresentados têm pontos muito relevantes que não podem ser deixados de lado na aplicação; caso contrário, poderá se chegar a uma decisão injusta ou incoerente.
            A conclusão chegada é de que apenas o caso concreto pode dar a resposta sobre a aplicabilidade da lei. É preciso uma avaliação minuciosa de todos os fatos pelo juiz, a fim de se chegar a uma decisão justa e coerente, capaz de manter íntegra a dignidade da pessoa humana ao mesmo tempo em que garante a segurança e a coesão do Ordenamento.

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