Por Priscilla Santos Arruda e Marcelo Lopes da Silva Júnior
A ex-empregada doméstica, Maria Aparecida
Matos, foi presa aos 23 anos de idade por furtar um xampu e um condicionador de
uma farmácia. Dentro da cadeia foi espancada e perdeu a visão de um olho, sendo
absolvida mais de um ano após sua prisão. Em contrapartida, um homem que
cometeu o crime de sonegação de impostos no valor de R$ 3.600 foi absolvido.
Estes dois casos têm em comum a invocação, pela defesa, do princípio da
insignificância.
Este está firmado em nossa jurisprudência,
principalmente no que diz respeito aos tribunais superiores, e é bem aceito
pela doutrina; entretanto, é um princípio implícito, que não se encontra
expresso na lei, o que dificulta sua aplicação e faz com que cresça ainda mais
o volume de recursos que vão para o Supremo Tribunal Federal e Superior
Tribunal de Justiça todos os anos.
Tal princípio baseia-se na idéia de que há
determinadas condutas que atingem tão infimamente o bem jurídico tutelado que
não se fundamenta a sanção, ou seja, não se pode tipificar como crime. Neste preceito,
podem ser encontrados determinados parâmetros para que as condutas possam ser
consideradas insignificantes, como: a diminuta reprovabilidade do
comportamento, a mínima lesividade do ato, a falta de periculosidade social da
conduta e a inexpressividade do dano provocado.
Doutrinadores modernos defendem que não se
deve olhar apenas se uma determinada conduta ilícita está formalmente descrita
na lei, isto é, se está tipificada na lei penal, mas também se deve analisar se
tal conduta foi, efetivamente, nociva a bens jurídicos, tanto moralmente quanto
patrimonialmente. Segundo o ministro Gilmar Mendes, “quando as condições que
circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade”,
não é sensato que se incite o Direito Penal e todo o aparelho do Estado-Polícia
e do Estado-Juiz.
Há muito o sistema penal encontra-se
evidentemente atrofiado por conta de sua indevida utilização. Este sistema deveria
tratar apenas das lesões de bens jurídicos realmente substanciais. A otimização
do direito penal requer uma revisão dos casos que realmente mereçam a imposição
de pena e dos casos que devem ser desconsiderados como suficientemente
substanciais para implicarem sanções penais.
Somente a lesão a um bem ou valor socialmente
relevante deveria justificar a incriminação de uma conduta. Consequentemente, torna-se imprescindível a
exclusão da competência penal sobre os crimes de bagatela.
Neste contexto, o principio da
insignificância se mostra como instrumento fundamental para que haja um resgate
da legitimidade do sistema penal.
É evidente o amadurecimento do princípio da
insignificância na jurisprudência brasileira. Este princípio tem se mostrado
importante instrumento de aprimoramento do direito penal, ganhando espaço nas
decisões dos tribunais superiores.
Mais de cento e vinte habeas corpus foram
julgados pelo STF em 2010, onde o princípio da insignificância estava sendo
usado nas argumentações; tendo este órgão atendido 15 desses pedidos. Tal
princípio ganhou notoriedade perante os tribunais recursais, porém, existe
ainda uma resistência das instâncias inferiores em aplicar essa mesma
jurisprudência.
A resistência dos magistrados em aderir o
posicionamento do STF contribui para falta de celeridade processual e a
sobrecarga desnecessária de recursos.
Além disso, em detrimento de tal
inflexibilidade interpretativa dos tribunais de primeira instância, os acusados
acabam cumprindo, ainda que anteriormente ao julgamento final, uma pena que nem
mesmo lhes cabia. Percebe-se com isso um problema absurdo que se faz
completamente contraditório com os princípios fundamentais e direitos
individuais estabelecidos pela constituição de 1988, além de fugir completamente
ao objetivo do direito penal.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, a aplicação do princípio da insignificância deve ser criteriosa e
feita caso a caso. Pode-se afirmar também que a reincidência deve inviabilizar
a aplicação deste princípio.
Tais critérios foram observados no Projeto de
Lei 312/2010 iniciado no Senado Federal pelo senador Antônio Carlos Valadares.
Projeto este que visa alterar o Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 (Código Penal), para estabelecer o princípio da insignificância como excludente de tipicidade da conduta
incapaz de ofender bem jurídico tutelado pela lei penal.
De
acordo com tal projeto, o princípio seria estabelecido de forma expressa a
acrescentar ao código penal os
seguintes artigos:
Art.
22-A Salvo os casos de reincidência, ameaça ou coação, não há crime quando o
agente pratica fato cuja lesividade é insignificante. (NR)
Art.
23-A É atípica a conduta incapaz de ofender bem jurídico tutelado pela lei
penal. (NR)
Uma
análise social se faz imprescindível sobre a temática aqui abordada, haja vista
o fato de a maioria dos crimes de bagatela ser cometida por pessoas pobres.
Fato
este que intensifica a sensação de que apenas os pobres vão para a prisão, na
medida em que se observa a rapidez com que muitos outros delitos graves são
convertidos em penas alternativas, ou mesmo como alguns recursos chegam
rapidamente aos tribunais superiores.
Curiosamente,
não se pode afirmar que o princípio da insignificância somente seja reconhecido
mediante o esforço de excelentes advogados disponíveis unicamente para os ricos,
pois, foi constatado que a grande maioria das defesas que utilizam tal
princípio são feitas por intermédio da defensoria pública que tem obtido maior
êxito em suas defesas quando comparadas às que são ministradas por advogados
particulares.
Por
fim, cabe notar a existência de uma conturbada fixação do valor da
insignificância. O não reconhecimento do princípio em casos que envolveram
pequenos valores contrasta-se com o reconhecimento em casos que envolvem
quantias muito mais significativas, como exemplo, os crimes fiscais onde a
insignificância da lesão pode chegar até 10 mil reais.
Casos contraditórios como este evidenciam a
dificuldade de se constatar o que venha a ser, ou não, delito de bagatela. A
tarefa de definir de forma menos paradoxal os casos sobre o princípio da
insignificância deve ficar por conta da capacidade intelectual e jurídica dos
magistrados. A dificuldade interpretativa se faz a partir da suposição de que a
lesão ao bem juridicamente protegido pelo direito penal deva ser
suficientemente substancial para que o caso mereça entrar na seara penal. E tal
constatação deve ser analisada caso a caso, afinal, uma lesão pode ou não ser
significativa dependendo da condição financeira e social da vítima.
O STF, por exemplo, negou um pedido de Habeas
Corpus que beneficiaria dois condenados pelo furto de uma bicicleta no valor de
100 reais porque a vítima do furto era pobre, o que para os ministros, tornava
o valor do bem significativo.
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