sábado, 21 de abril de 2012

“NINGUÉM NASCE MULHER, TORNA-SE MULHER”


Texto apresentado na aula do dia 17/04/12
Por Eugésio Maciel e Yuri Vinicius Assen da Silva



              Pensando biologicamente, existe apenas um cromossomo dentre os quarenta e seis que difere as mulheres dos homens.  Há aqueles que concordam que homens e mulheres são diferentes de seus corpos, de sua constituição psicológica e do papel que ocupam na sociedade. No entanto a Antropologia vem desconstruindo muitas de nossas idéias sobre os sexos.
            O cromossomo é formado por vários genes, dessa forma o que separa homens de mulheres é a forma que estes genes estão arranjados. Assim para a Biologia essa combinação permite os corpos diferenciados, e além da caracterização genética e anatômica, há também uma diferença hormonal.
            Se a Biologia estabelece uma diferença física, a interpretação do senso comum se apoia em uma diferença de comportamento e de papéis, ou seja, mulheres que transitam entre a sensualidade e a maternidade. Já os homens desempenham o papel de fecundar e prover o sustento para a mulher e para seus descendentes.
            É realidade hoje que as funções para os dois sexos mudaram, boa parte das mulheres integra o mercado de trabalho, e muitos dos homens realizam funções domésticas e participam da criação dos filhos. Há ainda certo estranhamento, por exemplo, com mulheres que abrem mão da maternidade e da mesma forma um homem sustentado por sua companheira.
            A Antropologia através de estudos das sociedades ( ditas sociedades primitivas) sugere uma nova interpretação ao negar a idéia de que homens e mulheres são diferentes em relação à ciência e o senso comum.
            Pierre Clastres (antropólogo francês) escreveu o livro A Sociedade contra o Estado, o capítulo “O Arco e o Cesto” desta obra apresenta a cultura dos Guaiaquis. Nesta sociedade as tarefas eram divididas entre homens e mulheres, assim como a nossa. O diferente nessa sociedade é a prática da poliandria (união da mulher com mais de um marido). As mulheres mesmo casadas podiam ter relacionamentos com moços solteiros e transformá-los em maridos. Os primeiros maridos não tinham escolhas, se abandonassem suas esposas seriam condenados a permanecerem só, pois a tribo carecia de mulheres disponíveis, havia quase o dobro de homens em relação às mulheres.
            De qualquer maneira, o modelo matrimonial nessa tribo mostra que dentre as infinitas possibilidades de culturas, os Guaiaquis são uma mostra de o arranjo tecido pela nossa própria sociedade ao que diz respeito às relações entre homens e mulheres está longe de ser o único possível.
            Margaret Mead (antropóloga) em seu livro Sexo e Temperamento questiona os papéis sexuais ao apresentar três sociedade na Nova Guiné. A autora utilizou como base os padrões norte-americanos, ou seja, o comportamento feminino caracterizado por ser maternal, cooperativo, não agressivo, já o comportamento masculino seria contrário a essa caracterização. As três tribos estudadas pela a autora apresentam padrões de comportamento entre homens e mulheres diferentes. Na tribo Arapesh, os homens e as mulheres revelavam uma personalidade que seria considerada feminina na sociedade norte-americana. Já na tribo Mundugumor, os integrantes eram homens e mulheres agressivos e positivamente sexuados, apresentando o mínimo de aspectos carinhosos e maternais em sua personalidade, apresentando uma conduta que só seria encontrado em um homem norte-americano violento e indisciplinado. A terceira tribo, Tchambulli, caracteriza-se por uma diferenciação entre os sexos e uma clara inversão das expectativas de temperamento da sociedade norte-americana, ou seja, a mulher é “o parceiro dirigente, dominador e impessoal, e o homem a pessoa menos responsável e emocionalmente dependente”.[1]
            Autora mostra dessa forma que é possível encontrar invertidos os comportamentos e que as culturas não reconheçam uma diferença de temperamento entre homens e mulheres, ou seja, não nos resta considerar tais aspectos de comportamentos ligados ao sexo, uma vez que a natureza humana é maleável, respondendo a condições culturais constantes.
            O trabalho de Marcel Mauss, As técnicas do corpo, enfatiza-se a idéia da qual a cultura treina o corpo em seus mínimos detalhes, desde movimentos, posturas e trejeitos corporais. O seja, um comportamento que independe da natureza biológica, mas um treino corporal a partir de uma orientação da cultura vigente. Dentre as técnicas do corpo estariam atos simples como sentar, dormir, falar, ficar de pé, agachar-se, nadar, respirar, etc.
            Esse argumento é interessante no que se refere às diferenças entre homens e mulheres, pois muitas das características corporais que distinguem os sexos seriam constituídas a partir de um treino social do corpo. A delicadeza feminina, a postura imponente dos homens, o jeito discreto de sentar das mulheres, o largar-se confortavelmente no sofá, tipicamente dos homens, ou então a maneira sensual feminina de andar movimentando os quadris são todos exemplos das chamadas técnicas do corpo proposta por Mauss.
            A Antropologia através de Clastres, Mead e Mauss, aponta a idéia de que os papéis destinados a homens e mulheres não são explicados por uma diferença inscrita na natureza de seus corpos, ainda que seja biologicamente diferentes, a anatomia não explicariam as inúmeras outras diferenciações sociais entre os sexos, sejam elas de hierarquia, de status, de poder, de posição na divisão do trabalho, de personalidade, de comportamento e nem mesmo de seus trejeitos corporais.
            Essa interpretação não nega a diferença anatômica, mas afirma que a Biologia nada explica o que diz respeito à vida social. Tal argumento é embasado na idéia de a natureza dos corpos é interpretada pela cultura que, por sua vez, origina inúmeros significados que ultrapassa as diferenças corporais.
            O movimento feminista utilizou dos estudos antropológicos para então questionar fatos vistos como biológicos, como a situação de inferioridade da mulher a por sua vez a sujeição feminina ao poder simbólico masculino. Isso permitiu a discussão na esfera do movimento social, ou seja, os papéis previamente demarcados exercidos por homens e mulheres dentro da sociedade.
            “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino”.[2]
Mas o que é tornar-se mulher? Os seres humanos nascem machos ou fêmeas, e a partir de sua educação, tornam-se homens ou mulheres. Tornar-se homem ou mulher não é uma transição natural, construída por hormônios, é uma questão social. Garotos e garotas ao nascerem têm uma educação diferenciada, são criados para desempenharem um determinado papel social. Exemplificando a situação, os meninos são ensinados a gostarem de carros, de filmes de ação e de atores com estereótipo masculino bem acentuado. Chorar?  Não são emoções características dos homens. Enquanto as meninas que ganham utensílios para a cozinha de brinquedo, bonecas para fingirem serem mães, sonham em serem as princesas dos filmes da Disney, ou seja, são ensinadas a serem frágeis e delicadas com o ensinamento de um espírito materno precoce a ponto de subjugar as várias manifestações de personalidade de cada um(a).
Dessa forma, depois de todo esse processo de aprendizagem na infância, é de se esperar que realmente as mulheres tenham “jeito” para serem mães, donas do lar, e assim condicionar a sua felicidade à de um homem (príncipe). Portanto, o gênero é a construção social do masculino e do feminino, isto é, o papel atribuído a homens e mulheres é construído, é social, cultural, passível de mudança, o macho humano pode assumir o gênero feminino e a fêmea humana pode assumir o gênero masculino, além da possibilidade de assumir algum outro que não seja o masculino/feminino, é simplesmente opcional, uma escolha.



[1]  MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. 3ª ed. São Paulo, Perspectiva, 1988, p.267-268.
[2] BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, [1949] 1980, p.9.

Nenhum comentário:

Postar um comentário