Por Filipe
Carcute Dantas e Juhline
Angelina Urani Camargo
Nas últimas décadas temos vivenciado uma realidade
lastimável na sociedade brasileira com a propagação da criminalidade e a consequente
elevação do contingente carcerário. A pena privativa de liberdade --
considerado a partir do séc. XX o meio supostamente mais adequado para
reconfigurar o criminoso -- bem como sua execução na ordem jurídica atual,
mostram-se falidos. Violência, maus tratos, falta de espaço, falta de higiene,
ausência de assistência médica e jurídica são alguns dos muitos exemplos
negativos que afligem nosso sistema penitenciário e demonstram a necessidade de
se repensar meios alternativos de punição, além do modo mais eficiente e
produtivo de execução da própria pena restritiva de liberdade. Desse modo,
procura-se discutir no presente trabalho as diversas facetas da implantação do
chamado monitoramento eletrônico, ressaltando-se pontos positivos e negativos,
bem como a sua presença na realidade penal brasileira.
Segundo dados do DEPEN (Departamento Penitenciário
Nacional) o Brasil contava no ano de 2010 com uma população carcerária de
aproximadamente 437.596 detentos, sendo a quarta maior do mundo, atrás,
somente, dos Estados Unidos, China e Rússia. O déficit carcerário de vagas
contabiliza mais de 130.000, traduzindo-se em presídios, delegacias e
instituições despreparadas e estruturalmente abarrotadas de cidadãos, apilhados
uns sobre os outros.
As diversas situações degradantes
vivenciadas demonstram o descaso com os direitos dos presos, previstos no art.
41 da Lei de Execução Penal, que acabam culminando em rebeliões, revoltas,
agressões e fugas. Torna-se, portanto, inconcebível imaginarmos presídios superlotados,
comportando duas, até três vezes, a sua capacidade, com detentos sem qualquer
privacidade, intimidade e consideração, convivendo diariamente com a redução de
sua autoestima que acaba por afetar não só eles mesmos, mas seus familiares e
amigos, gerando uma inestimável cadeia de revolta.
Diversos estudos comprovam os
problemas gerados pela falta de espaço físico adequado, dentre eles está o
efeito denominado prisionização. A
convivência demasiadamente próxima dos detentos proporcionaria a difusão de uma
cultura típica desse ambiente, com hábitos, meios de sobrevivência, costumes,
práticas rotineiras, modos de ser e pensar que acabam impregnando o apenado e
intensificando o chamado efeito criminógeno,
típico do sistema penitenciário, decorrente dessa imersão do indivíduo na
subcultura prisional. A reclusão, portanto, ao invés de conter o ímpeto delinquente,
ocasiona a maximização do anseio criminoso, funcionando como instrumento
potencializador.
Consoante o panorama exposto, fica
comprovado a necessidade de se buscar alternativas à pena privativa de
liberdade na tentativa de se ver minimizados os efeitos colaterais por ela
provocado, reservando-a, portanto, a situações reconhecidamente
necessárias. Os chamados substitutos
penais, dentre eles o monitoramento eletrônico, constituem meios alternativos
relativamente eficazes na busca da descarcerização, com o intuito principal de
minimizar, senão extirpar, o efeito criminógeno,
proporcionando, sobretudo, a ressocialização do indivíduo.
O monitoramento eletrônico se
constitui basicamente de um instrumento em formato de bracelete ou tornozeleira
que, aderida ao sentenciado, emite constantemente sinais a uma central
responsável pelo monitoramento do individuo. Foi criado ainda no inicio da
década de 60, mas só passou a ser efetivamente utilizado na década de 80, nos
EUA, por determinação do juiz Jack Love. Mais tarde se espalhou pela Europa,
sendo utilizado na França, Itália, Portugal e Alemanha.
Surgiu, a princípio, com o intuito de conferir um
meio a mais de proteção ao cumprimento das decisões judiciais para que o
apenado vigiado não voltasse a oferecer risco à sociedade. No entanto, atualmente, adquiriu maior
complexidade e passou a ser utilizado objetivando três finalidades distintas: a
detenção, a vigilância e a restrição. No primeiro caso o monitoramento
eletrônico asseguraria a permanência do individuo em local previamente
determinado ou autorizado, no segundo, permitiria o controle e o monitoramento
de absolutamente todos os passos do apenado e, por último, com o intuito de
garantir que o individuo não frequente determinados locais ou se aproxime de
determinadas pessoas.
Nos dias atuais, em decorrência do elevado
número de experiências vividas e do amadurecimento de sua aplicação, já é
possível delinear objetivos claros que se pretendem alcançar com a
implementação do monitoramento eletrônico. Cabe, portanto, destacarmos os
principais pontos favoráveis dessa tecnologia.
O primeiro deles diz respeito ao
desafogamento da população carcerária existente em várias localidades do país e
a diminuição do já visto efeito criminógeno. Tal justificativa foi invocada por
diversos países para legitimar a utilização do monitoramento eletrônico em
curta e média escala. Outro ponto notavelmente favorável diz respeito à
manutenção dos vínculos sociais do apenado. Sabe-se que o encarceramento
provoca a interrupção das relações sociais do individuo com seus familiares e
amigos, além de dificultar a construção futura de vínculos profissionais devido
ao estigma social sofrido por quem já esteve preso. Assim, o combate aos efeitos nefastos da
dessocialização mostra-se como um dos pontos fortes desse mecanismo. O aspecto
financeiro também deve ser levado em consideração. Os custos para se manter um indivíduo
encarcerado são exorbitantes (3,5 salários mínimos por mês). Custos estes que
poderiam ser transformados em recursos com o uso do monitoramento eletrônico e
revertidos para implementação de políticas públicas voltadas à educação e
conscientização da população. Por fim, também vale mencionar a minimização dos
prejuízos físicos, emocionais e psicológicos decorrentes do encarceramento.
A
despeito dos importantes benefícios supracitados, o monitoramento eletrônico
não está imune a críticas. Assim sendo, questiona-se, comumente, se o resultado
pretendido, e vale dizer, largamente propagado, de redução da superlotação
carcerária seria efetivamente alcançado. Tal discussão gira em torno do modo de
aplicabilidade do sistema de monitoramento eletrônico, isto é, se será adotado apenas
nos casos de saída temporária e prisão domiciliar, ou se será utilizado em
larga medida, englobando, portanto, regime fechado e prisões processuais. No primeiro
caso, isto é, se utilizado somente nos casos de saída temporária e nas
hipóteses já previstas de prisão domiciliar, o monitoramento eletrônico evidenciará
o estado de máxima expansão do sistema penal, representando tão somente a confirmação
da exclusão do indivíduo condenado.
Por sua vez, no que
concerne ao objetivo, já mencionado, de redução dos custos do encarceramento,
outra crítica se coloca. Alega-se, sumariamente, que os custos oriundos da
implantação e manutenção do sistema de monitoramento eletrônico poderiam
exceder o esperado, haja vista o necessário domínio da tecnologia a ser
utilizada. Entretanto, esta crítica é veementemente combatida, haja vista a
estimativa de uma economia de até 50% (cinquenta por cento) com a
adoção deste sistema, sem contar que, em vários países nos quais houve a adoção
deste sistema, o próprio condenado/acusado – que aceita ser submetido ao
monitoramento – acaba por arcar com parte dos custos. Ademais, não se pode
ocultar o fato de que o encarceramento gera um alto custo social, que será
arcado não somente pelo indivíduo, mas também pela sociedade.
Argui-se ainda que o
monitoramento eletrônico representa uma clara violação à esfera privada do
indivíduo condenado e/ou acusado, uma vez que direitos fundamentais,
incluindo-se aí o direito à privacidade, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio,
estariam sendo atentados, fato este agravado quando a fiscalização dos
condenados é realizada por empresas privadas, daí se falar, portanto, em inconstitucionalidade.
Esse é um dos grandes dilemas
que se esbarram à aplicação do sistema em questão, isto é, como garantir o
direito de punir do Estado, sem que isso represente uma discriminação
atentatória a uma série de direitos e garantias fundamentais. Buscando-se evitar um possível decisionismo e
maiores discricionariedades, é importante que as autoridades competentes
realizem uma análise crítica a respeito da questão, ensejando um juízo de
proporcionalidade, necessidade e adequação da medida, tendo em vista que
valores constitucionais estão sendo conflitados: segurança pública versus liberdade individual.
Além disso, não há como
se questionar que o condenado e/ou acusado, assim como afirmado por Laura
Frade, tornou-se objeto de medos e estampagens inconscientes, passando a
“merecer” o ostracismo e o abandono. Nesse sentido, críticos à implantação do
monitoramento eletrônico afirmam ainda que o uso das tornozeleiras ou pulseiras
aparentes levariam à rotulação do indivíduo e sua consequente exclusão do
âmbito social. Sem dúvida este processo estigmatizante resta-se largamente facilitado,
contudo, a solução encontrada ampara-se no desenvolvimento de dispositivos
pequenos e imperceptíveis, ou ainda semelhantes à acessórios comumente usados
pelas pessoas.
Ainda no âmbito dos
argumentos contrários, ressalta-se, por fim, o risco de ocorrência do fenômeno
da superpenalização (fenômeno intitulado pela doutrina estrangeira como net-widening effect), isto é, uma
expansão da rede de controle social por parte do direito penal, ensejando, ou o
recrudescimento das exigências para certos benefícios penais, ou um agravamento
das penas impostas (“voto de desconfiança”).
Assim sendo, para que o
supracitado fenômeno possa ser evitado é imprescindível que o monitoramento
eletrônico seja encarado tão somente como uma alternativa ao encarceramento, disponível a pessoas que não
poderiam gozar, em um primeiro momento, do benefício referente à liberdade
condicional. Em outras palavras, e assim como ressaltado por Carlos Japiassú e
Celina Macedo, é indispensável que o sistema de monitoramento eletrônico amplie
os casos em que há possibilidade do indivíduo permanecer fora do cárcere, sob
pena de, do contrário, efetivar-se o fenômeno da superpenalização.
Em relação ao Brasil, é
recente a discussão acerca do tema no âmbito da justiça criminal - Congresso
Nacional somente se deparou com propostas relacionadas ao assunto em 2007. De
tal forma, a possibilidade de utilização do sistema foi aprovada somente em
2010, com a Lei 12.258, que traz o permissivo legal para utilização do sistema
de monitoramento eletrônico somente nos casos de autorização de saída
temporária em regime semiaberto e nos casos de prisão domiciliar, o que,
obviamente, gerou inúmeras críticas.
Recentemente entrou em
vigor uma nova lei (12.403/2011), que prevê o uso da monitoração eletrônica
dentro do conjunto de medidas cautelares diversas da prisão preventiva. Entretanto,
o dispositivo não regulamenta a aplicação deste sistema, deixando aos estados a
competência para tanto. Assim sendo, e no que diz respeito às experiências-piloto,
diversos estados brasileiros já legislaram sobre o assunto, dentre os quais,
destaca-se: Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Minas Gerais, Rio Grande do Sul
e Paraná.
Contudo, observa-se, neste
cenário brasileiro, uma absoluta fragmentação e ausência de parâmetros quanto à
utilização do mecanismo de monitoramento eletrônico, evidenciando ainda, um
conflito de competência entre as legislações federal – a teor dos artigos 22, I
e 24, I da Constituição Federal, compete à União legislar sobre direito penal e
penitenciário – e estadual, já que muitas destas leis surgiram antes mesmo da
edição da Lei 12.258/2010.
Entretanto, e a
despeito de todas essas problemáticas, é imperativo que se amplie o debate
sobre a possibilidade de adoção deste sistema enquanto medida descarcerizadora,
isto é, viabilizando sua utilização não somente nos regimes aberto e
semiaberto, como nos casos de prisão preventiva, já que, fora dessas hipóteses,
o monitoramento apenas avigora e amplia o controle punitivo estatal, não
oferecendo, em contrapartida, qualquer garantia de reinserção social de egressos
do sistema penitenciário.
Nessa perspectiva,
busca-se evidenciar que, como já mencionado, o Brasil carece de soluções
modernas para enfrentar os inúmeros problemas que assolam a realidade penitenciária.
Assim sendo, é factível que o monitoramento eletrônico não constitui solução
para todos os dilemas enfrentados pelo sistema penal, em outras palavras, não
constitui panaceia para todos os males, mas sim, mostra-se como uma medida
tendente a tornar o sistema penal mais humano, objetivando-se, além da
descarcerização e erradicação do efeito criminógeno, a tão esperada e
necessária reinserção social.
Referências
Bibliográficas
OLIVEIRA,
Janaina Rodrigues; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. O monitoramento eletrônico de apenados no Brasil. Revista
Brasileira de Segurança Pública, v.9, p. 100-119, 2011.
JAPIASSÚ, Carlos
Eduardo Adriano e MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o monitoramento eletrônico. In:
Monitoramento eletrônico uma alternativa
à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ministério da Justiça, 2008, p.
26 e ss.
MACHADO, Nara
Borgo Cypriano. O monitoramento eletrônico e a viabilidade de sua utilização no
ordenamento jurídico-penal brasileiro. In: Monitoramento
Eletrônico: Uma Alternativa à Prisão? Experiências Internacionais e
Perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária. Ministério da Justiça, 2008, p. 190.
FERREIRA, Carolina Costa. Monitoramento eletrônico reforça
seletividade do direito penal. Disponível em: http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2011/02/tornozeleira-e-estigmatizante-e-nao.html. Acessado em 26
de maio de 2012.
FRADE, Laura. Pobreza política e
marginalidade. Disponível em http://www.unieuro.edu.br/downloads_2005/hegemonia_02_05.pdf. Acesso em 27 de maio de 2012.
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