sábado, 7 de julho de 2012

MONITORAMENTO ELETRÔNICO: UMA ALTERNATIVA


Por Filipe Carcute Dantas e Juhline Angelina Urani Camargo 


Nas últimas décadas temos vivenciado uma realidade lastimável na sociedade brasileira com a propagação da criminalidade e a consequente elevação do contingente carcerário. A pena privativa de liberdade -- considerado a partir do séc. XX o meio supostamente mais adequado para reconfigurar o criminoso -- bem como sua execução na ordem jurídica atual, mostram-se falidos. Violência, maus tratos, falta de espaço, falta de higiene, ausência de assistência médica e jurídica são alguns dos muitos exemplos negativos que afligem nosso sistema penitenciário e demonstram a necessidade de se repensar meios alternativos de punição, além do modo mais eficiente e produtivo de execução da própria pena restritiva de liberdade. Desse modo, procura-se discutir no presente trabalho as diversas facetas da implantação do chamado monitoramento eletrônico, ressaltando-se pontos positivos e negativos, bem como a sua presença na realidade penal brasileira.
Segundo dados do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) o Brasil contava no ano de 2010 com uma população carcerária de aproximadamente 437.596 detentos, sendo a quarta maior do mundo, atrás, somente, dos Estados Unidos, China e Rússia. O déficit carcerário de vagas contabiliza mais de 130.000, traduzindo-se em presídios, delegacias e instituições despreparadas e estruturalmente abarrotadas de cidadãos, apilhados uns sobre os outros. 
            As diversas situações degradantes vivenciadas demonstram o descaso com os direitos dos presos, previstos no art. 41 da Lei de Execução Penal, que acabam culminando em rebeliões, revoltas, agressões e fugas. Torna-se, portanto, inconcebível imaginarmos presídios superlotados, comportando duas, até três vezes, a sua capacidade, com detentos sem qualquer privacidade, intimidade e consideração, convivendo diariamente com a redução de sua autoestima que acaba por afetar não só eles mesmos, mas seus familiares e amigos, gerando uma inestimável cadeia de revolta.
            Diversos estudos comprovam os problemas gerados pela falta de espaço físico adequado, dentre eles está o efeito denominado prisionização. A convivência demasiadamente próxima dos detentos proporcionaria a difusão de uma cultura típica desse ambiente, com hábitos, meios de sobrevivência, costumes, práticas rotineiras, modos de ser e pensar que acabam impregnando o apenado e intensificando o chamado efeito criminógeno, típico do sistema penitenciário, decorrente dessa imersão do indivíduo na subcultura prisional. A reclusão, portanto, ao invés de conter o ímpeto delinquente, ocasiona a maximização do anseio criminoso, funcionando como instrumento potencializador.
            Consoante o panorama exposto, fica comprovado a necessidade de se buscar alternativas à pena privativa de liberdade na tentativa de se ver minimizados os efeitos colaterais por ela provocado, reservando-a, portanto, a situações reconhecidamente necessárias.  Os chamados substitutos penais, dentre eles o monitoramento eletrônico, constituem meios alternativos relativamente eficazes na busca da descarcerização, com o intuito principal de minimizar, senão extirpar, o efeito criminógeno, proporcionando, sobretudo, a ressocialização do indivíduo.
            O monitoramento eletrônico se constitui basicamente de um instrumento em formato de bracelete ou tornozeleira que, aderida ao sentenciado, emite constantemente sinais a uma central responsável pelo monitoramento do individuo. Foi criado ainda no inicio da década de 60, mas só passou a ser efetivamente utilizado na década de 80, nos EUA, por determinação do juiz Jack Love. Mais tarde se espalhou pela Europa, sendo utilizado na França, Itália, Portugal e Alemanha.
Surgiu, a princípio, com o intuito de conferir um meio a mais de proteção ao cumprimento das decisões judiciais para que o apenado vigiado não voltasse a oferecer risco à sociedade.  No entanto, atualmente, adquiriu maior complexidade e passou a ser utilizado objetivando três finalidades distintas: a detenção, a vigilância e a restrição. No primeiro caso o monitoramento eletrônico asseguraria a permanência do individuo em local previamente determinado ou autorizado, no segundo, permitiria o controle e o monitoramento de absolutamente todos os passos do apenado e, por último, com o intuito de garantir que o individuo não frequente determinados locais ou se aproxime de determinadas pessoas.
             Nos dias atuais, em decorrência do elevado número de experiências vividas e do amadurecimento de sua aplicação, já é possível delinear objetivos claros que se pretendem alcançar com a implementação do monitoramento eletrônico. Cabe, portanto, destacarmos os principais pontos favoráveis dessa tecnologia.
            O primeiro deles diz respeito ao desafogamento da população carcerária existente em várias localidades do país e a diminuição do já visto efeito criminógeno. Tal justificativa foi invocada por diversos países para legitimar a utilização do monitoramento eletrônico em curta e média escala. Outro ponto notavelmente favorável diz respeito à manutenção dos vínculos sociais do apenado. Sabe-se que o encarceramento provoca a interrupção das relações sociais do individuo com seus familiares e amigos, além de dificultar a construção futura de vínculos profissionais devido ao estigma social sofrido por quem já esteve preso.  Assim, o combate aos efeitos nefastos da dessocialização mostra-se como um dos pontos fortes desse mecanismo. O aspecto financeiro também deve ser levado em consideração.  Os custos para se manter um indivíduo encarcerado são exorbitantes (3,5 salários mínimos por mês). Custos estes que poderiam ser transformados em recursos com o uso do monitoramento eletrônico e revertidos para implementação de políticas públicas voltadas à educação e conscientização da população. Por fim, também vale mencionar a minimização dos prejuízos físicos, emocionais e psicológicos decorrentes do encarceramento.
            A despeito dos importantes benefícios supracitados, o monitoramento eletrônico não está imune a críticas. Assim sendo, questiona-se, comumente, se o resultado pretendido, e vale dizer, largamente propagado, de redução da superlotação carcerária seria efetivamente alcançado. Tal discussão gira em torno do modo de aplicabilidade do sistema de monitoramento eletrônico, isto é, se será adotado apenas nos casos de saída temporária e prisão domiciliar, ou se será utilizado em larga medida, englobando, portanto, regime fechado e prisões processuais. No primeiro caso, isto é, se utilizado somente nos casos de saída temporária e nas hipóteses já previstas de prisão domiciliar, o monitoramento eletrônico evidenciará o estado de máxima expansão do sistema penal, representando tão somente a confirmação da exclusão do indivíduo condenado.
Por sua vez, no que concerne ao objetivo, já mencionado, de redução dos custos do encarceramento, outra crítica se coloca. Alega-se, sumariamente, que os custos oriundos da implantação e manutenção do sistema de monitoramento eletrônico poderiam exceder o esperado, haja vista o necessário domínio da tecnologia a ser utilizada. Entretanto, esta crítica é veementemente combatida, haja vista a estimativa de uma economia de até 50% (cinquenta por cento) com a adoção deste sistema, sem contar que, em vários países nos quais houve a adoção deste sistema, o próprio condenado/acusado – que aceita ser submetido ao monitoramento – acaba por arcar com parte dos custos. Ademais, não se pode ocultar o fato de que o encarceramento gera um alto custo social, que será arcado não somente pelo indivíduo, mas também pela sociedade.
Argui-se ainda que o monitoramento eletrônico representa uma clara violação à esfera privada do indivíduo condenado e/ou acusado, uma vez que direitos fundamentais, incluindo-se aí o direito à privacidade, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio, estariam sendo atentados, fato este agravado quando a fiscalização dos condenados é realizada por empresas privadas, daí se falar, portanto, em inconstitucionalidade.
Esse é um dos grandes dilemas que se esbarram à aplicação do sistema em questão, isto é, como garantir o direito de punir do Estado, sem que isso represente uma discriminação atentatória a uma série de direitos e garantias fundamentais.  Buscando-se evitar um possível decisionismo e maiores discricionariedades, é importante que as autoridades competentes realizem uma análise crítica a respeito da questão, ensejando um juízo de proporcionalidade, necessidade e adequação da medida, tendo em vista que valores constitucionais estão sendo conflitados: segurança pública versus liberdade individual.
Além disso, não há como se questionar que o condenado e/ou acusado, assim como afirmado por Laura Frade, tornou-se objeto de medos e estampagens inconscientes, passando a “merecer” o ostracismo e o abandono. Nesse sentido, críticos à implantação do monitoramento eletrônico afirmam ainda que o uso das tornozeleiras ou pulseiras aparentes levariam à rotulação do indivíduo e sua consequente exclusão do âmbito social. Sem dúvida este processo estigmatizante resta-se largamente facilitado, contudo, a solução encontrada ampara-se no desenvolvimento de dispositivos pequenos e imperceptíveis, ou ainda semelhantes à acessórios comumente usados pelas pessoas.
Ainda no âmbito dos argumentos contrários, ressalta-se, por fim, o risco de ocorrência do fenômeno da superpenalização (fenômeno intitulado pela doutrina estrangeira como net-widening effect), isto é, uma expansão da rede de controle social por parte do direito penal, ensejando, ou o recrudescimento das exigências para certos benefícios penais, ou um agravamento das penas impostas (“voto de desconfiança”).
Assim sendo, para que o supracitado fenômeno possa ser evitado é imprescindível que o monitoramento eletrônico seja encarado tão somente como uma alternativa ao encarceramento, disponível a pessoas que não poderiam gozar, em um primeiro momento, do benefício referente à liberdade condicional. Em outras palavras, e assim como ressaltado por Carlos Japiassú e Celina Macedo, é indispensável que o sistema de monitoramento eletrônico amplie os casos em que há possibilidade do indivíduo permanecer fora do cárcere, sob pena de, do contrário, efetivar-se o fenômeno da superpenalização.
Em relação ao Brasil, é recente a discussão acerca do tema no âmbito da justiça criminal - Congresso Nacional somente se deparou com propostas relacionadas ao assunto em 2007. De tal forma, a possibilidade de utilização do sistema foi aprovada somente em 2010, com a Lei 12.258, que traz o permissivo legal para utilização do sistema de monitoramento eletrônico somente nos casos de autorização de saída temporária em regime semiaberto e nos casos de prisão domiciliar, o que, obviamente, gerou inúmeras críticas.
Recentemente entrou em vigor uma nova lei (12.403/2011), que prevê o uso da monitoração eletrônica dentro do conjunto de medidas cautelares diversas da prisão preventiva. Entretanto, o dispositivo não regulamenta a aplicação deste sistema, deixando aos estados a competência para tanto. Assim sendo, e no que diz respeito às experiências-piloto, diversos estados brasileiros já legislaram sobre o assunto, dentre os quais, destaca-se: Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná.
Contudo, observa-se, neste cenário brasileiro, uma absoluta fragmentação e ausência de parâmetros quanto à utilização do mecanismo de monitoramento eletrônico, evidenciando ainda, um conflito de competência entre as legislações federal – a teor dos artigos 22, I e 24, I da Constituição Federal, compete à União legislar sobre direito penal e penitenciário – e estadual, já que muitas destas leis surgiram antes mesmo da edição da Lei 12.258/2010.
Entretanto, e a despeito de todas essas problemáticas, é imperativo que se amplie o debate sobre a possibilidade de adoção deste sistema enquanto medida descarcerizadora, isto é, viabilizando sua utilização não somente nos regimes aberto e semiaberto, como nos casos de prisão preventiva, já que, fora dessas hipóteses, o monitoramento apenas avigora e amplia o controle punitivo estatal, não oferecendo, em contrapartida, qualquer garantia de reinserção social de egressos do sistema penitenciário.
Nessa perspectiva, busca-se evidenciar que, como já mencionado, o Brasil carece de soluções modernas para enfrentar os inúmeros problemas que assolam a realidade penitenciária. Assim sendo, é factível que o monitoramento eletrônico não constitui solução para todos os dilemas enfrentados pelo sistema penal, em outras palavras, não constitui panaceia para todos os males, mas sim, mostra-se como uma medida tendente a tornar o sistema penal mais humano, objetivando-se, além da descarcerização e erradicação do efeito criminógeno, a tão esperada e necessária reinserção social.

Referências Bibliográficas

OLIVEIRA, Janaina Rodrigues; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. O monitoramento eletrônico de apenados no Brasil. Revista Brasileira de Segurança Pública, v.9, p. 100-119, 2011.
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano e MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o monitoramento eletrônico. In: Monitoramento eletrônico uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ministério da Justiça, 2008, p. 26 e ss.
MACHADO, Nara Borgo Cypriano. O monitoramento eletrônico e a viabilidade de sua utilização no ordenamento jurídico-penal brasileiro. In: Monitoramento Eletrônico: Uma Alternativa à Prisão? Experiências Internacionais e Perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ministério da Justiça, 2008, p. 190.
FERREIRA, Carolina Costa. Monitoramento eletrônico reforça seletividade do direito penal. Disponível em: http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2011/02/tornozeleira-e-estigmatizante-e-nao.html. Acessado em 26 de maio de 2012.
FRADE, Laura. Pobreza política e marginalidade. Disponível em http://www.unieuro.edu.br/downloads_2005/hegemonia_02_05.pdf. Acesso em 27 de maio de 2012. 

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