sábado, 7 de julho de 2012

Lei Geral da Copa e suas violações a legislações vigentes.



Por Eduardo Vinícius Dantas Faria
 

Nos anos 2013 e 2014 o Brasil sediará dois importantes eventos esportivos de caráter mundial, a Copa das Confederações e a Copa do mundo, ambos dirigidos pela Federação Internacional de Futebol Associado, a FIFA. Para sediar esses eventos o Brasil se submeteu a uma série de exigências que constam em um caderno de encargos ¹ do país sede.

 A chamada Lei Geral da Copa,  PLC 10/2012 ², que já foi aprovada no Senado e segue para sanção da presidente, busca atender essas exigências regulando matérias como proteção e exploração de direitos comerciais, vistos de entrada, permissões de trabalho e venda de ingressos.
O projeto de lei é alvo de diversas criticas por ter vários pontos que são contraditórios com a legislação  vigente, criando um regime diferenciado que vigoraria durante as Copas e chegou a ser chamado de “Estado Futebolístico de Exceção” ³ pelo deputado federal Chico Alencar do PSOL-RJ.
Os pontos mais polêmicos do PLC são relativos ao consumo de bebidas alcoólicas nos estádios e a venda de ingressos de meia-entrada, mas pontos menos comentados, como o que prevê que apenas pessoas autorizadas pela FIFA vendam produtos nos arredores dos estádios e o que determina que a União será responsabilizada por danos causados, por ação ou omissão, à FIFA, colocam em discussão a violação da soberania nacional brasileira pela FIFA e até que ponto o Estado brasileiro deve acatar as exigências dessa entidade privada internacional.

1-Permissão do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios.
O texto da Lei geral da Copa suprime o Art. 13-A inciso II do Estatuto do torcedor, Lei Nº 10.671 de 15 de maio de 2003, que diz que “São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: [...] II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;”. Com a supressão desse artigo passa a ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas nos âmbitos esportivos, como estádios de futebol.
O Estatuto do torcedor foi criado em um contexto de muita violência nos estádios brasileiros, fato que ainda é presenciado atualmente, o Art 1º-A desse estatuto diz que “A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.”, portanto não pode o poder público suprimir um artigo criado para prevenir a violência nos recintos esportivos para que os interesses de uma entidade privada internacional sejam garantidos.
Alguns estados e municípios possuem legislações que proíbem o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, essas legislações não estão suspensas e o consumo continuará proibido, no entanto a FIFA busca uma negociação com cada um deles para novamente suprimir as normas vigentes.

2- Venda de ingressos de meia-entrada.
Com relação à venda de ingressos pela metade do preço o projeto não viola o Estatuto do Idoso, pois continua permitindo a aquisição de ingressos de meia-entrada por pessoas com mais de 60 anos. Já os estudantes não terão seu direito assegurado, não poderão comprar qualquer ingresso pela metade do preço, será criada uma categoria especial chamada categoria 4 com cerca de 300 mil ingressos destinados a estudantes, idosos e pessoas que recebem o bolsa família.

3- Comércio nas áreas de competição.
A Lei geral da Copa prevê no seu Art.11 que  “A União colaborará com Estados, Distrito Federal e Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.”.
A Lei na sua seção IV trata dos crimes relacionados ao evento, com destaque para o artigo 19 que determina detenção de três meses a um ano ou multa para  aquele que “Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos Locais Oficiais dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária”.
Com isso os comerciantes brasileiros que normalmente trabalham nos estádios e nos seus arredores estarão proibidos de executar sua atividade sem a permissão da FIFA. O parágrafo único do Art. 170 da CF diz que “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” mas no caso a lei está transferindo a uma entidade privada o direito de autorizar algumas pessoas e empresas, e proibir outras de comercializar produtos em determinada área, e justamente por ser uma empresa privada e ter patrocinadores, os interesses particulares provavelmente serão levados em conta na tomada dessa decisão.

4- Contradições e Soberania Nacional.
A expressão “Estado Futebolístico de Exceção” utilizada por Chico Alencar é bastante apropriada para descrever a situação, o Brasil está abrindo mão de sua soberania para realizar esses eventos. A Lei Geral da Copa fere dispositivos da legislação brasileira, suprime direitos já adquiridos por lutas dos estudantes, torcedores, e trabalhadores brasileiros, em favor do interesse, em grande parte econômico, de uma entidade privada durante o período de realização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo. O país ficou refém de um compromisso assinado com a FIFA, sem nenhuma transparência, em que praticamente assegura com dinheiro público a realização de um evento privado, e garante com a Lei Geral da Copa uma série de isenções fiscais e exceções a ordem jurídica nacional para que a FIFA consiga obter o máximo de lucro possível.

¹ Caderno de Encargos
² PLC 10/2012 Lei Geral da Copa
³ Texto Chico Alencar “Estado Futebolístico de Exceção.”

Um comentário:

  1. achei muito interessante, os aspectos abordados no texto sobre a lei geral da copa, um assunto interessante, polêmico e que infelizmente desconhecido da maioria dos cidadãos brasileiros apaixonados por futebol, mas cegos ao jogo político que envolve questões tão importantes como a soberania nacional.

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