Por Eduardo
Vinícius Dantas Faria
Nos
anos 2013 e 2014 o Brasil sediará dois importantes eventos esportivos de
caráter mundial, a Copa das Confederações e a Copa do mundo, ambos dirigidos pela
Federação Internacional de Futebol Associado, a FIFA. Para sediar esses eventos
o Brasil se submeteu a uma série de exigências que constam em um caderno de
encargos ¹ do país sede.
A chamada Lei Geral da Copa, PLC 10/2012
², que já foi aprovada no Senado e segue para sanção da presidente, busca
atender essas exigências regulando matérias como proteção e exploração de
direitos comerciais, vistos de entrada, permissões de trabalho e
venda de ingressos.
O projeto de lei é alvo de diversas
criticas por ter vários pontos que são contraditórios com a legislação vigente, criando um regime diferenciado que
vigoraria durante as Copas e chegou a ser chamado de “Estado Futebolístico de
Exceção” ³ pelo deputado federal Chico Alencar do PSOL-RJ.
Os pontos mais polêmicos do PLC são
relativos ao consumo de bebidas alcoólicas nos estádios e a venda de ingressos
de meia-entrada, mas pontos menos comentados, como o que prevê que apenas
pessoas autorizadas pela FIFA vendam produtos nos arredores dos estádios e o
que determina que a União será responsabilizada por danos causados, por ação ou
omissão, à FIFA, colocam em discussão a violação da soberania nacional
brasileira pela FIFA e até que ponto o Estado brasileiro deve acatar as
exigências dessa entidade privada internacional.
1-Permissão do
consumo de bebidas alcoólicas nos estádios.
O texto da Lei geral da
Copa suprime o Art. 13-A inciso II do Estatuto do torcedor, Lei Nº 10.671 de 15
de maio de 2003, que diz que “São condições de acesso e permanência do torcedor
no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: [...]
II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de
gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;”. Com a supressão desse
artigo passa a ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas nos âmbitos
esportivos, como estádios de futebol.
O Estatuto do torcedor foi
criado em um contexto de muita violência nos estádios brasileiros, fato que
ainda é presenciado atualmente, o Art 1º-A desse estatuto diz que “A prevenção da violência nos esportes é de
responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas,
clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e
associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como
daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam
dos eventos esportivos.”, portanto não pode o poder público suprimir um artigo
criado para prevenir a violência nos recintos esportivos para que os interesses
de uma entidade privada internacional sejam garantidos.
Alguns estados e municípios possuem legislações que proíbem o
consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, essas legislações não estão
suspensas e o consumo continuará proibido, no entanto a FIFA busca uma negociação
com cada um deles para novamente suprimir as normas vigentes.
2-
Venda de ingressos de meia-entrada.
Com relação à venda de ingressos pela metade do preço o
projeto não viola o Estatuto do Idoso, pois continua permitindo a aquisição de
ingressos de meia-entrada por pessoas com mais de 60 anos. Já os estudantes não
terão seu direito assegurado, não poderão comprar qualquer ingresso pela metade
do preço, será criada uma categoria especial chamada categoria 4 com cerca de
300 mil ingressos destinados a estudantes, idosos e pessoas que recebem o bolsa
família.
3- Comércio nas áreas de competição.
A Lei geral da Copa
prevê no seu Art.11 que “A União
colaborará com Estados, Distrito Federal e Municípios que sediarão os Eventos e
com as demais autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas por
ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas,
distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e
serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos
Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de
acesso.”.
A Lei na sua seção IV
trata dos crimes relacionados ao evento, com destaque para o artigo 19 que
determina detenção de três meses a um ano ou multa para aquele que “Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos,
serviços ou praticar atividade promocional não autorizados pela FIFA ou por
pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos
Locais Oficiais dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou
publicitária”.
Com isso os comerciantes brasileiros que
normalmente trabalham nos estádios e nos seus arredores estarão proibidos de
executar sua atividade sem a permissão da FIFA. O parágrafo único do Art. 170
da CF diz que “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.” mas no caso a lei está transferindo a uma entidade privada o
direito de autorizar algumas pessoas e empresas, e proibir outras de
comercializar produtos em determinada área, e justamente por ser uma empresa
privada e ter patrocinadores, os interesses particulares provavelmente serão
levados em conta na tomada dessa decisão.
4- Contradições e Soberania Nacional.
A expressão “Estado Futebolístico de
Exceção” utilizada por Chico Alencar é bastante apropriada para descrever a
situação, o Brasil está abrindo mão de sua soberania para realizar esses
eventos. A Lei Geral da Copa fere dispositivos da legislação brasileira,
suprime direitos já adquiridos por lutas dos estudantes, torcedores, e
trabalhadores brasileiros, em favor do interesse, em grande parte econômico, de
uma entidade privada durante o período de realização da Copa das Confederações
e da Copa do Mundo. O país ficou refém de um compromisso assinado com a FIFA,
sem nenhuma transparência, em que praticamente assegura com dinheiro público a
realização de um evento privado, e garante com a Lei Geral da Copa uma série de
isenções fiscais e exceções a ordem jurídica nacional para que a FIFA consiga
obter o máximo de lucro possível.
¹ Caderno de Encargos
²
PLC 10/2012 Lei Geral da Copa
³
Texto Chico Alencar “Estado Futebolístico de Exceção.”
achei muito interessante, os aspectos abordados no texto sobre a lei geral da copa, um assunto interessante, polêmico e que infelizmente desconhecido da maioria dos cidadãos brasileiros apaixonados por futebol, mas cegos ao jogo político que envolve questões tão importantes como a soberania nacional.
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